Pablo
Capistrano – Professor do IFRN e Escritor
13 de
julho de 2011
Tem danos que vem com a ausência. Tem outros que
chegam mesmo na presença. Lembro de ter ouvido uma história em Santa Cruz, sobre
uma aluna recém concluinte do ensino médio que chorou diante de uma prova de
vestibular da UFRN.
Quando ela abriu a prova de Física entrou em
pânico. Nada daquele vasto universo de conceitos exóticos e intrincadas ideias,
transmutáveis em fórmulas matemáticas, fazia sentido para ela. A garota havia
passado todo o ensino médio regularmente matriculada na rede pública de ensino
do estado do Rio Grande do Norte e havia estudado apenas um assunto da
disciplina de Física.
Um único, inexpugnável, irredutível, tema. Uma
única e absoluta problemática. Uma só grande questão desde que Galileu,
Copernico, Newton e Heisenberg pisaram sobre a terra. Um mesmo tópico, alçado a
tal categoria de abrangência, que parecia resumir tudo o que os físicos
construíram em quase três mil anos de ciência ocidental. A garota havia passado
o ensino médio estudando Movimento Retilíneo Uniforme e Movimento Uniformemente
Variado, nada mais, nada menos.
Um ex-aluno, também recém formado no ensino médio,
fazia as vezes de professor, ocupando um espaço vago na sala de aula, tentando,
com seu esforço pessoal, suprir as carências daquela turma. Como o rapaz, sem
perspectiva de uma graduação na área de Física, só dominava esse tema, só tinha
condições de ensinar esse único tópico.
A despeito de ter ou não acontecido desta
forma, essa surrealista história nos alerta para um dado muito evidente: o dano
pedagógico não se cristaliza apenas quando a escola está fechada, com seus
servidores mobilizados por uma greve.
O dano pedagógico também se processa quando as
portas da escola estão abertas e se manifesta costumeiramente em uma carência,
em uma ausência, em uma desconcertante ilusão: a ideia de que o fato de o aluno
estar em sala de aula é razão necessária e suficiente para que a qualidade do ensino
se manifeste.
Esse delírio ontológico nos faz pensar que só o
fato do aluno estar diante de um professor já exime o Estado de suas
responsabilidades em empreender políticas reais, efetivas de valorização da
educação.
Faz tempo que o Estado potiguar se auto alforriou
da obrigação de implementar uma política educacional de qualidade. Faz tempo
que não há interesse, por parte do poder público em pôr em uma mesma sala de
aula o filho do juiz e o filho da empregada doméstica. Faz muito tempo, que
setores mais influentes da sociedade brasileira, se acostumaram a pensar que o
espaço da escola pública é um espaço de uma educação pobre para o povo pobre.
Esse é um modo perverso de manter aquela velha
ordem aristocrática de poder social, na qual filhos de famílias bem dotadas
economicamente tem a concorrência por posições sociais diminuída em função do
desnível, do descompasso, entre a educação que lhes é oferecida e a educação
que se oferece para os filhos dos empregados de seus pais.
Não é a greve, amigo velho, que produz o verdadeiro
dano ao aluno da escola pública potiguar. Não são os professores, cansados de
serem tratados como cidadãos de segunda classe, lançados pela lógica da
exclusão na base da cadeia alimentar das profissões, que criam o dano real aos alunos
desse estado. É essa sede, amigo velho, essa carência de cuidado, que nasce da
omissão de uma sociedade que parece não estar muito a fim de levar a sério a
educação de seus filhos. Uma sociedade que elege a muitas décadas governos
produtores de greves, sucateadores de sonhos, moedores das esperanças de
gerações e gerações de alunos potiguares.
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