“Olho D’água do Borges, aqui viver e sonhar...
tanto faz.” Quando vi estes dizeres presentes nesta tal placa recém colocada na
cidade, a primeira impressão foi de que algo estava meio errado: “com assim,
eles estão dizendo que nem o sonho atenuaria o fato de viver em tamanho
autoritarismo? Que não importa o quanto sonhemos, a realidade será sempre a
mesma?” Embora não eliminando a possibilidade de entender isso ou qualquer
outra coisa, afinal a placa está lá e a frase é bastante confusa, tenho claro
que a intenção foi outra.
Dessa vez a coisa entornou de vez, a administração
municipal foi longe demais. Que tente controlar seus funcionários, assessores e
correligionários de forma geral, se entende, afinal, se eles têm o livre arbítrio,
e mesmo assim permitem esse estado de coisas, o que se pode fazer, li em algum
lugar uma máxima atribuída a Platão: “Em vão se busca tirar da chuva aquele que
insiste em se molhar”. Agora estabelecer a relação entre o sonho,
aquilo que temos de mais livre nessa enfadada existência, e o fato de vivermos
na sua
cidade - como ele deve considerar, já que não consulta ninguém para tocar
seus entendimentos -, é algo extremamente grave e problemático.
Antes que alguém diga que eu estou exagerando,
gostaria de colocar algumas coisas. Outro dia estava no consultório do
dentista, na sala de espera, e naquela ânsia que antecedia o momento em que ele
ia escarafunchar a minha boca (nada contra o dentista, lógico), peguei uma
revista (acho que era uma Carta Capital que estava em cima da mesa) – diga-se
de passagem, essa é uma das únicas revistas que ainda dá para ler, dessas
semanais mais difundidas. Na revista li uma interessante matéria, que mostrava
como as grandes corporações não estão mais interessadas apenas em publicitários
para seus anúncios, mas procuram também o trabalho dos neurocientistas e
psicólogos para entender como uma ideia pode grudar na mente de uma pessoa sem
que necessariamente o camarada perceba: a hiperespecialização da covardia.
Pois é, meu caro, não pense que quando a televisão
sintonizada na Rede Globo diz para você, naquele ar fantasmagórico e
sobrenatural “Globo, a gente se vê por aqui”, a emissora está querendo ser cordial
e simpática ao utilizar um suposto trocadilho para interagir com você. Na
verdade - e aqueles estudos de psicologia e neurociência tratam disso -, o fato
é que, como nossa mente funciona de forma analógica, ela liga esse enunciado ao
fato de que só podemos entender as coisas através das informações e explicações
dadas pela televisão. Visão nesse sentido é sinônimo de visão de mundo. Você
acha absurdo, pois esse é o mesmo mecanismo que faz a Coco-Cola ser o
refrigerante mais vendido do mundo (embora exista outras questões sérias
relacionadas a este refrigerante e seu poderio, que podemos entender ao ler,
por exemplo, o livro Por Deus, pela
Pátria, pela Coca-Cola), que
explica o fato de as propagandas de cerveja estar sempre associadas a lindas
mulheres, e comerciais de cigarro mostrar paisagens e ações que remetem à
liberdade.
Por tudo isso, essa placa não tem nada de novo. Em
linhas gerais, apenas reitera uma coisa que até as pedras da rua sabem: a
administração da nossa querida Olho D’água é extremamente autoritária, e
inclusive não sinaliza em nada para uma convivência sadia que brote da
Democracia. Afinal, assim como coloca o Prof. Edson Passetti, conhecido
pensador brasileiro das causas libertárias, ligado à PUC do Rio, a Democracia é
o regime menos ruim de todos, pois possibilita que brote do seu substrato
práticas detentoras de liberdade.
Quando se critica a Democracia é por entender que
as pessoas tendem a achar que apenas o fato de estarmos nesse panorama
democrático é suficiente para as coisas acontecerem. E não é bem assim, a
Democracia está ai, agora a liberdade, meu velho, é você que conquista, a cada
instante de sua vida. E, diga-se de passagem, não é de hoje que sabemos,
inclusive, que aquilo que mais marca um regime autoritário é o fato de investir
pesadamente em propagandas que constroem discursos e modificam a realidade das
coisas: primeiro foi, “Aqui tem cidadania!” e outras
coisas do gênero, agora isso. É preciso que não deixemos que estas coisas
passem sem que sejam percebidas, pois como diz a música Novo Dia da banda de Reggae carioca Ponto de Equilíbrio:
Para ser... não é só parecer
para ser, iêêê, iêêê
muito mais do que
só aparentar e aparecer.
Vamos nos aceitar,
viver no bem estar,
vamos nos redimir,
nos reconciliar...
Vamos nos aceitar,
viver no bem estar,
vamos nos redimir,
nos equilibrar...
Dá pra ser muito mais, vamos ser,
dá pra ser muito mais...
vamos ser, vamos ser,
vamos ser... vamos ser...
Autor: Professor Francisco Adaecio Lopes.
Autor: Professor Francisco Adaecio Lopes.
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