Em
quase 19 anos como presidente, Getúlio Vargas nunca havia sido atingido por
ataques tão pesados quanto os desferidos em agosto de 1954. A exigência de que
renunciasse ecoava no Congresso Nacional, nas Forças Armadas, na imprensa e na
sociedade. Da tribuna do Palácio Monroe, sede do Senado no Rio, Othon Mader
(UDN-PR) bradou: “O senhor Getúlio Vargas domina o Brasil há anos. Se nada fez
pela pátria até agora, o que mais poderá realizar em um ano e poucos meses que
lhe restam de mandato? É hoje apenas o presidente nominal. Compactua com todos
os abusos e já não exerce o poder. A opinião nacional reclama o afastamento
como condição para reingressarmos num regime de segurança. O senhor Getúlio
Vargas praticaria um ato de patriotismo se atendesse ao apelo da nação”, dizia
Mader.
O senador não previa que a
crise chegaria ao fim dias depois nem que seria de forma tão brusca e
dramática. Getúlio não renunciou. Na manhã de 24 de agosto, ainda vestindo
pijama, deu um tiro no coração. O fatídico suicídio completa 60 anos neste
domingo.
O Arquivo do Senado guarda os discursos feitos
pelos senadores naquele agosto. As falas permitem entender, pelo prisma do
Senado, um dos episódios mais surpreendentes da história nacional. O governo
estava em crise, por causa de denúncias de corrupção, mas perderia de vez as
rédeas da situação com o atentado da Rua Tonelero. Na madrugada de 5 de agosto,
o jornalista Carlos Lacerda saía de casa, no Rio, quando foi surpreendido por
um atirador. Dono do jornal Tribuna da Imprensa, ele era o mais virulento crítico
de Getúlio. Lacerda escapou, mas o major da Aeronáutica que o acompanhava levou
um tiro mortal. Uma investigação concluiu que a emboscada fora tramada por
Gregório Fortunato, chefe da equipe de segurança de Getúlio.
Desde o atentado, não houve dia em que senadores
não tenham subido à tribuna para exigir a renúncia. Bernardes Filho (PR-MG)
argumentou que, tendo o crime respingado no presidente, só lhe restaria seguir
o exemplo de dom Pedro I e do marechal Deodoro e deixar o poder: “A
responsabilidade pela emboscada da Rua Tonelero não para no pavimento térreo do
Palácio do Catete, de onde partiram os empreiteiros para a execução do crime.
Ela sobe ao segundo andar e envolve indiretamente o senhor Getúlio Vargas.
Infelizmente, a Constituição e a lei não previram punição para o presidente que
acoitasse um bando de homicidas nos quartos baixos do palácio.”
Em razão da morte do major, as Forças Armadas entraram com tudo na campanha pela renúncia de Vargas. Os políticos da oposição davam a entender que, se Getúlio ignorasse as pressões, apoiariam os militares num golpe para tirá-lo do Catete à força. O senador Hamilton Nogueira (UDN-DF) discursou: “O senhor Getúlio Vargas quer ensanguentar o Brasil. Às classes armadas está dado o poder de trazer a tranquilidade ao país. A Aeronáutica já demonstrou seu ponto de vista. A Marinha está solidária com a Aeronáutica (....) As Forças Armadas saberão cumprir seu dever.
Até o vice-presidente da República mudou de
lado. Café Filho — que, por ser vice, era também presidente do Senado, como
mandava a Constituição — usou os microfones do Palácio Monroe para anunciar que
havia proposto a Getúlio Vargas a renúncia de ambos. O Congresso elegeria o
sucessor para terminar o mandato.
“Era uma solução que colocaria os interesses nacionais
acima de quaisquer sentimentos pessoais ou partidários. Sua Excelência disse
que precisava pensar e prometeu-me uma decisão, que ontem me foi transmitida de
modo negativo”, contou o vice, na véspera do suicídio.
Impacto deixou oposição assustada
Diante dos ataques
incessantes, os senadores governistas se apequenaram. Eles simplesmente não
conseguiam responder à altura. Gomes de Oliveira (PTB-SC) tentou argumentar que
a morte do major havia sido um “incidente pessoal”, e não uma agressão aos militares,
e que as eleições estavam próximas:
“Achamo-nos às vésperas de uma eleição, que no
próximo ano renovará o Poder Executivo, e não temos paciência de esperar. Em
vez disso, queremos logo que as Forças Armadas, chamadas a resolver o
incidente, levem o país à desordem e às armas.
Na manhã do dia 24, a notícia do suicídio se
espalhou pelo país. Os brasileiros se inteiraram pelo rádio, atônitos. O
senador governista Dario Cardoso (PSD-GO) afirmou: “Indescritíveis são o meu
pesar e a minha perturbação ante o ocorrido, em cuja realidade ainda custo a
crer. Getúlio Vargas foi indiscutivelmente um dos mais eminentes homens
públicos do Brasil e das Américas.
O senador Alencastro Guimarães (PTB-DF) disparou
contra os inimigos de Getúlio: “A campanha destes últimos meses contra a pessoa
do senhor Getúlio Vargas excedeu todos os limites que neste país alguma
vez se permitiram. Morre o senhor Getúlio Vargas. Não morre pela própria mão,
mas assassinado pela covardia daqueles que não puderam vencê-lo no coração do povo
brasileiro.
Assustados, os adversários adotaram um tom mais
diplomático. Entre eles, o senador Ferreira de Sousa (UDN-RN), que se disse
consternado: “O momento é de reverência diante da eternidade, de silêncio à
borda do túmulo. Não vale fazer discussões em torno de pessoas, de fatos. Por
um instante, cessam as divergências, calam-se os argumentos, suspendem-se os
dissídios e não se pronuncia palavra de crítica.”
O corpo foi velado no Catete. Milhares de
pessoas fizeram fila para se despedir do presidente. Depois, num emocionado
cortejo, acompanharam o caixão até o Aeroporto Santos Dumont. Getúlio foi
enterrado em São Borja (RS), sua cidade natal. Café Filho afastou-se do Senado
e assumiu a Presidência. “O julgamento de Getúlio Vargas pertence à história,
que saberá fazer justiça”, disse, dias depois, o senador Attilio Vivacqua
(PR-ES).
Fonte: Tribuna do Norte
0 comentários:
Postar um comentário