Para Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça e
ex-subprocurador-geral da República, o relato de Moro aponta crime de
responsabilidade de Bolsonaro. “Uso político da PF enquanto polícia judiciária
é atentar contra a independência do Poder Judiciário”, disse a CartaCapital.
Esse tipo de “atentado” é
descrito como crime de responsabilidade presidencial no artigo 85 da
Constituição e no artigo 4o da Lei do Impeachment,
a 1.079, de 1950. Ambas apontam ser crime ir contra “o livre exercício do
Judiciário”. A PF é a polícia que cumpre ordens de tribunais federais, como
mandados busca e apreensão. Por isso, é “judiciária”.
O STF tem um inquérito sigiloso sobre ameaças e fake
news contra a corte que é do interesse do presidente saber como
evolui. Estão na mira milícias digitais e empresários que as financiam. O
principal investigador nesse inquérito é um delegado da PF, Alberto Ferreira
Neto, que segue as ordens do juiz do caso, Alexandre de Moraes.
O tribunal acaba de abrir um
novo inquérito que também ficará com Moraes e é de interesse do presidente.
Será uma apuração sobre a manifestação pró-golpe militar e ditadura de que
participou o Bolsonaro em 19 de abril. Quem organizou e bancou o ato? É o que a
investigação dirá, e haverá alguém da PF a participar dela.
Para Aragão, Moro confessou
também ele ter cometido um crime. O ex-juiz revelou que, ao aceitar o cargo de
ministro, pediu uma espécie de pensão para a esposa, Rosângela, caso
acontecesse algo com a vida dele. E que a oferta foi aceita pela equipe de
Bolsonaro. “Estelionato”, afirmou Aragão.
Estelionato é descrito no artigo 171 do Código Penal assim:
“Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo
ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio
fraudulento”. É punido com prisão de um a cinco anos.
Aprovado em primeiro lugar no
concurso de juiz federal no qual Moro também passou, o ex-juiz Flavio Dino,
governador do Maranhão pelo PCdoB, concorda que o ex-ministro confessou uma
“ilegalidade”. E que agora há elementos novos em defesa do impeachment de
Bolsonaro. Para ele, o presidente de fato atentou contra o Judiciário.
“O depoimento de Moro sobre
aparelhamento político da Polícia Federal como base para o ato de exoneração do
delegado Valeixo constitui forte prova em um processo de impeachment”, tuitou
ele. “Moro está para Bolsonaro como o Fiat Elba esteve para Collor. A prova que
faltava. Agora não falta mais.”
Mauricio Valeixo foi demitido
do comando da PF por Bolsonaro horas antes de Moro demitir-se. Na cassação do
ex-presidente Fernando Collor, em 1992, o aparecimento de uma Elba foi
decisivo. Usado por Collor, o carro havia sido comprado com dinheiro sujo do
tesoureiro de campanha do então presidente. Paulo Cesar Farias, o PC Farias.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa
Cruz, viu “indícios de crimes apontados por Moro” contra Bolsonaro. Segundo
ele, a entidade vai examinar o caso. Santa Cruz tem dito que, quando baixar a
poeira da pandemia de coronavírus, a OAB mergulhará na discussão do tema
“impeachment” de Bolsonaro.
Professor de Direito
Constitucional, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que foi relator da reforma da
Previdência proposta e aprovada por Bolsonaro em 2019, também acha que o
discurso de Moro complicou juridicamente o presidente. Vê tentativa de
obstrução da Justiça, crime do qual Michel Temer foi acusado durante o mandato
de presidente e que quase levou à sua cassação.
“É muito grave a informação de
que o presidente muda o diretor geral da PF por interesses em inquéritos. O
chefe do Executivo obstruir e interferir em inquéritos é crime”, tuitou Ramos.
Para ele, Moro “fez uma delação premiada” e haverá agora uma “crise política e
institucional”.
A líder do PSOL na Câmara,
Fernanda Melchiona (RS), mandou uma representação ao procurador-geral da
República, Augusto Aras, com um pedido para que abra uma investigação contra
Bolsonaro. Só Aras pode acusar o presidente na Justiça por crime comum. Foi a Procuradoria
que denunciou Temer por obstrução da Justiça em 2017.
Na representação, a deputada
requer ainda que “diante dos graves indícios de ocultamento e destruição de
provas que o presidente pretende realizar”, a Procuradoria “determine,
imediatamente, a busca e apreensão de todas as provas e indícios nas
investigações em curso que envolvam o Presidente e seus aliados, com o objetivo
de interromper o processo de destruição de provas, conforme determina o art.
282 do Código de Processo Penal”.
Será que a crise potencial
antevista por Marcelo Ramos influenciará decisões sobre impeachment que estão
por ser tomadas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo decano
do Supremo, Celso de Mello?
O juiz acaba de pedir ao
deputado que em dez dias se manifeste sobre um dos vários pedidos de cassação
de Bolsonaro que chegaram à Câmara. Mello tomou essa providência em um mandado
de segurança levado ao STF contra a omissão de Maia em se pronunciar a respeito.
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