As motivações, os interesses, as circunstâncias e os
personagens são totalmente diferentes, mas é inegável que, neste exato momento,
o governo Bolsonaro lembra aqueles meses finais de agonia do mandato de Dilma
Rousseff.
Governos enfraquecidos inevitavelmente são subjugados, pois não
existe vácuo de poder. Ganha o torneio quem consegue mostrar que a tinta da
caneta, como a cusparada, alcança a maior distância. Pior para o ex-capitão:
sua caneta fraqueja não é de hoje.
Os tinteiros no Supremo Tribunal Federal, por outro lado,
foram reabastecidos. Após o ministro Celso de Mello ter determinado a abertura
de inquérito para apurar as denúncias do ex-ministro Sérgio Moro e de mandar
investigar Abraham Weintraub por crime de racismo no lamentável ataque aos chineses,
seu colega Alexandre de Moraes suspendeu a posse de Alexandre Ramagem, amigo do
clã Bolsonaro, na direção-geral da Polícia Federal.
Moraes, novo alvo do “gabinete do ódio”, que o acusa de
ligações com o PCC, acatou uma ação do PDT. “Apresenta-se viável a ocorrência
de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do diretor da Polícia
Federal, em inobservância aos princípios de impessoalidade, da moralidade e do
interesse público”, anotou Moraes no despacho.
Não foi o único revés de Bolsonaro nos últimos dias.
Incapaz de fazer valer a sua vontade, o ex-capitão dedica-se aos esportes de
ofender jornalistas, treinar a pontaria em um clube de tiro e de se exibir no
único recanto do País onde ainda alguém o leva a sério: o cercadinho na entrada
do Palácio que reúne, faça chuva ou faça sol, meia dúzia de apoiadores.
Fora daquele quadrilátero de fanáticos (se cobrir vira
circo, se cercar, vira hospício), o “Messias” enfrenta um calvário.
Vejamos:
Uma juíza de primeira instância ordenou a retirada do ar
de um texto de loas à ditadura publicado no site do Ministério da Defesa;
O Ministério Público abriu uma apuração a respeito da
nomeação por Abraham Weintraub (de novo) de Josué de Oliveira Moreira para a
reitoria do Instituto Federal do Rio Grande do Norte;
Vazou a investigação sobre os negócios imobiliários
ilegais, em parceria com milícias, do senador Flávio Bolsonaro;
A Polícia Federal apontou Carlos Bolsonaro como
articulador de um esquema criminoso de Fake News, a partir do “gabinete do
ódio”, contra autoridades públicas nas redes sociais;
Antes de suspender a posse de Ramagem, Moraes havia
determinado que delegados da PF fossem mantidos nas investigações originadas na
corte, em particular a respeito das Fake News e dos atos antidemocráticos do domingo
19;
Procuradores abriram inquérito para saber se o presidente
da República interferiu no Exército ao revogar o monitoramento de armas e
munições no País.
A cada desmando, uma resposta.
A sorte de Bolsonaro, por ora, talvez resida no fato de
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, recusar o papel de Eduardo Cunha. Tomasse
decisões com o fígado, como seu antecessor, Maia nem precisaria encontrar um
artifício do porte das “pedaladas fiscais” para iniciar o julgamento político
do ex-capitão. Com o pedido, quem imaginaria, protocolado pelo MBL, outro grupo
a abandonar o barco bolsonarista, chegaram a 29 as solicitações de impeachment
na mesa do deputado. É só pinçar o mais embasado.
Maia, protegido no isolamento social, prefere posar de
sereno (“Impeachment deve ser pensado com cuidado, e o foco é o coronavírus”) e
fazer média com quem lhe interessa, o setor financeiro e parte do empresariado.
Botafogo, como muitos, alimenta seus sonhos políticos. Representar o
“equilíbrio” em meio à loucura generalizada o cacifaria para a sucessão
presidencial – quem sabe o hedeiro de César Maia não venha a se tornar o Mourão
ou Temer do próximo a ocupar a cadeira principal do Palácio do Planalto?
Falta pressão das ruas? Falta. Bolsonaro mantém uma base?
Sim, mas cada vez menor e menos influente. Os militares estão a seu lado?
Afirmativo, diria um general qualquer, resta saber até quando. No mais, o
ex-capitão vaga por Brasília como um espectro. Nem Messias, nem presidente.
Fonte: Carta Capital.
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