Picanha de R$ 84,14 o quilo. Cervejas especiais, de puro
malte, a R$ 9,80 cada. Em tempos de extrema restrição de orçamento, as Forças
Armadas brasileiras usaram dinheiro público, ao longo de 2020, para bancar a
compra de mais de 700 mil quilos de picanha e 80 mil cervejas. E não se trata
de itens quaisquer. Para um dos cortes de carne mais nobres do País, foram
escolhidas como referência peças das mais caras. Entre as cervejas,
privilegiou-se o puro malte, entre outras.
As despesas com bebidas alcoólicas e carne de churrasco
foram tema de uma representação que deputados do PSB enviaram na terça-feira,
9, ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para que investigue os
gastos militares. Os questionamentos não se limitam ao tipo de item que foi
comprado. Há fortes indícios, de acordo com os parlamentares, de
superfaturamento nas aquisições.
O levantamento utilizou informações do Painel de Preços
do Ministério da Economia, a mesma ferramenta pública que revelou as compras
milionárias de leite condensado. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro
justificou que se tratava de um item "necessário" aos militares, dado
seu alto teor energético e calórico.
A reportagem questionou as Forças Armadas sobre quais
seriam as justificativas e motivações para a compra dos 714.700 quilos de
picanha e 80.016 garrafas e latas de cerveja em pleno ano de pandemia. Não
houve resposta até a publicação deste texto.
Na relação detalhada de compras de cervejas estão, por exemplo, 500 garrafas da bebida, da marca Stella Artois, ao preço unitário de R$ 9,05. Há ainda a aquisição de 3 mil garrafas de Heineken, a R$ 9,80 cada.
O comando da 23ª Brigada de Infantaria de Selva preferiu
3.050 garrafas de Eisenbahn, ao custo de R$ 5,99. Já a Brigada de Infantaria
Motorizada do Rio de Janeiro optou por 1.008 latas de Bohemia Puro Malte, pelo
valor de R$ 4,33 cada. Em supermercados, aponta a representação, o preço médio
desse item é de R$ 2,59.
A lista de cervejas inclui ainda 2 mil garrafas de 600 ML
de Bohemia Puro Malte, pelo valor de R$ 7,29, quando essas garrafas são
encontradas por R$ 5,79. Para comprar mais 1.600 latas de Skol Puro Malte, de
350 ML, os militares pagaram R$ 4,00 pela unidade, item que é encontrado a R$
2,69 em redes de varejo.
"O superfaturamento é evidente. Além disso, a grande
quantidade que os órgãos solicitaram via processo licitatório deveria favorecer
a negociação e proporcionar preços muito menores que os oferecidos no varejo. A
realidade, todavia, demonstra que os preços contratados são superiores aos
praticados pelos supermercados", afirmam os deputados, na representação.
As informações revelam ainda que Marinha, Aeronáutica,
Exército, Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL) e a administração
interna do Ministério da Defesa são grandes consumidores de picanha. Só em
2020, foram concluídos 76 processos de compra do corte, somando 714.700 quilos
da carne nobre.
O Comando do Exército Brasileiro é o campeão em processos
de compras do produto, tendo consumido 569.215 quilos do total.
Os dados revelam uma licitação de 13.670 quilos, na qual
o valor de cada quilo pago foi de R$ 84,14. A se basear no preço que os
militares estavam dispostos a pagar pela carne, até que saiu barato. O valor
médio estimado pela equipe que conduziu a fase interna da licitação, de acordo com
os documentos do certame, foi de R$ 118,25 o quilo. "Sinceramente, é
preciso investigar qual foi o corte de carne usado para se chegar a esse preço
médio irreal", informa a representação.
"Em um ano de pandemia, com crise sanitária,
econômica e social devastando nosso país, é inacreditável que os cofres
públicos tenham custeado gastos com cerveja", declaram os deputados.
"Enquanto nosso povo padece por falta de recursos para sobrevivência,
nossos militares usaram dinheiro público para custear bebidas alcoólicas. Tal
conduta fere de morte o Princípio Constitucional da Moralidade Pública."
Não se quer afirmar que os militares "não podem
comer carne", argumentam os parlamentares, mas, sim, questionar "o
grau de sofisticação empregado" nas compras de cortes nobres e
específicos. "O episódio narrado nesse item revela que houve ostentação e
os privilégios direcionados para alguns, conduta que destoa do discurso de
humildade e simplicidade usado pelo Presidente Jair Bolsonaro nas redes
sociais."
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