O presidente Jair Bolsonaro e os seus brucutus amestrados
gostam de dizer que não há corrupção no governo federal, para contrapor-se ao
que ocorria quando Lula era presidente. É preciso redefinir, então, o que é
corrupção no espaço/tempo. Talvez precisemos formular até mesmo uma teoria da
relatividade da corrupção. Por exemplo: dinheiro suspeito obtido no passado, em
instância legislativa municipal, estadual ou federal, que garante aquisição
presente de imóvel de luxo é corrupção no atual governo ou não? Presentes de caros
recebidos por empresários interessados em ganhos futuros são vantagem indevida
ou devido ganho? Tráfico de influência está relacionado a enriquecimento
ilícito ou pode ser apenas formação de rede de amigos dos amigos do meu pai?
Outro ponto fundamental: as quantias. Há piso moral para
a corrupção? Quem rouba pouco no varejo não pode ser comparado a quem rouba
muito no atacado? E se na soma do varejo a quantia total passa a ser de
atacado?
Eu gostaria de entender também como classificar o fato revelado pelo
repórter Patrik Camporez, na edição semanal da Crusoé. Ele descobriu que o filho 04
do presidente da República, Jair Renan (um nome duplo que talvez venha a lhe
conferir as melhores qualidades dos homônimos ilustres), tem uma “babá”.
Empregado como assessor especial no gabinete de Jair Bolsonaro, Joel
Novaes da Fonseca segue de perto os primeiros passos da carreira comercial de
Jair Renan, também conhecido como 0 à esquerda de 4, ou 04. É um trabalho
árduo, imagina-se, mas ele encontra tempo para tocar os negócios que jura serem
próprios.
Leia o que escreveu Camporez:
“Assim como os Bolsonaro,
enredados hoje em suspeitas de mau uso de verbas de gabinete, Joel tem
explorado os atalhos do serviço público em Brasília para ascender
financeiramente. Logo que se mudou para a capital, o militar escreveu em uma
rede social que, além de atuar no gabinete de Jair, havia começado a
empreender. ‘Minha nova realidade, agora assessor parlamentar e
microempreendedor em Brasília’, afirmou em texto acompanhado de uma foto com um
banner de Bolsonaro ao fundo. A mensagem é de 8 de julho de 2016. Passados
cinco anos, os negócios prosperaram. Uma empresa aberta em nome da mulher e da
filha de Joel é dona, hoje, de uma frota de veículos avaliada em mais de 1,5
milhão de reais. Os carros são alugados para deputados bolsonaristas, à custa
da verba da cota parlamentar. Os parlamentares já destinaram cerca de meio
milhão de reais para a locadora do assessor de Bolsonaro, de 2019 para cá.
Nas notas fiscais
apresentadas por eles à Câmara, a empresa aparece com endereço em prédio
comercial de Brasília, onde na realidade funciona um escritório de
contabilidade. Sem uma sede própria, os carros ficam estacionados na frente do
prédio onde Joel mora com a família, na Asa Norte de Brasília. Nesta
quinta-feira, 29, Crusoé abordou o assessor presidencial, que estava de
saída para uma caminhada matinal. Antes que fosse perguntado, ele foi logo
dizendo que a locadora ‘não pertence ao presidente Jair Bolsonaro’. ‘Se o
presidente da República tivesse uma locadora, ele teria 300 carros alugados lá
dentro(da Câmara), não três’, afirmou. ‘Essa história não vai fazer nem
cosquinha (sic) no presidente, porque não tem nada a ver com ele. É
simplesmente uma empresa que aluga carro para meia dúzia de deputados. Se fosse
uma coisa do presidente da República, seria algo até criminal. Mas não é crime,
não estou fora da lei, porque não tem nenhum envolvimento do meu nome com o
nome do presidente’, emendou.”
Como classificar o interessante caso do funcionário do
gabinete do presidente Jair Bolsonaro que tem uma empresa de aluguel de
veículos cuja carteira de clientes é composta por deputados bolsonaristas —
deputados que, como não poderia deixar de ser, pagam o aluguel dos carros com
verba parlamentar? Ele começou a empreender quando chegou a Brasília, onde teve
duas passagens no gabinete de Eduardo Bolsonaro e outras duas no do chefe do
clã, quando este ainda era deputado do baixo clero. Para tornar o caso ainda
mais intrigante, ao ser abordado pelo repórter, Joel Novaes da Fonseca
apressou-se em dizer, sem ser perguntado, que a locadora “não pertence a Jair
Bolsonaro”.
Não estou acusando ninguém de nada, não. Apenas lanço
aqui um desafio intelectual. É que o atual presidente da República não apenas
criou a necessidade de estabelecermos uma teoria da relatividade da corrupção,
como a de delinearmos categorias ontológicas onde possam caber negócios limpos,
retos e verticais como a locadora de veículos de Joel Novaes da Fonseca.
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