A liberação de recursos públicos para parlamentares fora do
script é uma prática que existe há vários governos e que, com Bolsonaro, se
intensificou. Este site tem mostrado como o esquema funciona desde o primeiro
ano da atual gestão
O termo Bolsolão ganhou destaque no noticiário
de ontem para hoje, agitou as redes sociais e deixou o mundo político em
polvorosa em meio à pandemia, com uma CPI da Covid em andamento no Senado.
Compreende-se: é um escândalo gigantesco.
Há meses, O Antagonista mostra como, desde o primeiro ano do governo Bolsonaro, as chamadas verbas extras estão sendo usadas pelo presidente — que, não custa lembrar, foi eleito prometendo acabr com o velho toma lá dá cá - como compra de apoio político ou de pautas específicas no Congresso.
Quem acompanha este site sabe como a farra dessas emendas garantiu a formação da base do atual governo, inclusive atraindo ao Palácio do Planalto até lulistas como Ciro Nogueira, o senador piauiense que preside o PP. Essas emendas somaram-se à negociação de cargos estratégicos no segundo escalão da esplanada e em estatais.
O Estadão rastreou o uso de R$ 3 bilhões em emendas
extras liberadas pelo governo, revelando a aplicação desses recursos por
parlamentares em compras superfaturadas de tratores, por exemplo.
Entenda em 10 pontos toda essa história, que O
antagonista começou a desvelar ainda no início de 2020:
A reportagem do Estadão teve acesso a um conjunto de
101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento
Regional e órgãos vinculados, para indicar como eles preferiam usar esses
recursos públicos, sem que haja controle. Com parte desses recursos, 115
tratores foram comprados por valores até 259% acima do preço de mercado.
2. Como O Antagonista já mostrou em situações
anteriores esses recursos são difíceis de ser rastreados, não possuem critérios definidos
para a sua liberação nem há transparência sobre a lista de parlamentares
beneficiados. Basicamente, congressistas escolhidos pelo governo — da situação
à oposição — têm o poder de indicar como os recursos serão aplicados em suas
bases eleitorais. Nenhum real sai de Brasília sem paternidade. Tudo, nesse
modelo, é feito por meio de negociações nas coxias da Esplanada. Esses
recursos não são contabilizados entre as chamadas emendas impositivas, aquelas
a que cada parlamentar tem direito e que o governo tem a obrigação de
liberá-las.
3. Os recursos da chamada verba extra (que o Estadão
optou por chamar de “orçamento paralelo” ou “secreto”, criada em 2019 sob
a rubrica “emendas do relator”, não têm detalhamento e são transferidos para
projetos solicitados pelos parlamentares diretamente aos ministérios —
principalmente ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Distribuídos para
as pasta e outros órgãos geralmente como crédito suplementar , esse dinheiro
sai da Esplanada para atender a interesses paroquiais, como revitalização de
praças, pavimentação de ruas, construção de pontes e, agora se sabe, compra de
tratores superfaturados. Os tribunais de contas têm dificuldade de
monitorar e fiscalizar a aplicação desses recursos, pois eles não aparecem
detalhadamente em sistemas existentes para acompanhamento orçamentário.
4. Ainda no início de 2020, O Antagonista conseguiu
via Lei de Acesso à Informação (LAI) dados sobre o esquema no Ministério do
Desenvolvimento Regional — vale a pena
relembrar aqui –, então comandado por Gustavo Canuto. A
pasta foi criada por Jair Bolsonaro. Destrinchamos nas nossas reportagens a
destinação de R$ 3,8 bilhões, liberados no apagar das luzes do ano anterior. As
notícias sobre o assunto caíram como uma bomba nos bastidores do Congresso. Foi
a primeira vez que um veículo de comunicação mostrou essa prática no governo
Bolsonaro. Ao detalhar as planilhas, revelamos como o grupo de Davi Alcolumbre
e outros aliados do governo em Pernambuco e no amazonas, por exemplo, tinham sido
bemeficiados. Canuto acabou deixando o cargo, também em razão desse
episódio, e no seu lugar entrou Rogério Marinho.
5. O Ministério do Desenvolvimento Regional, segundo
parlamentares ouvidos por O antagonista, continuou sendo o órgão campeão
na liberação desses recursos extras. Mas também figuram com destaque os
ministérios da Agricultura, do Turismo, da Infraestrutura, da Cidadania e da
própria Saúde. Também está jorrando dinheiro dessa forma via fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação(FNDE) e Companhia do vale do São
Francisco (Codevasf), onde líderes do Centrão emplacaram apadrinhados em cargos
estratégicos. A Codevasf, no governo Bolsonaro, teve seu escopo de atuação
ampliado pelo Congresso, justamente para que a possibilidade de uso desses
recursos também se alargasse.
6. Em 27 de janeiro deste ano, às vésperas das eleições
na Câmara e no Senado, O Antagonista publicou um espelho das planilhas da distribuição
de R$ 630 milhões em emendas extras, para apoiar a eleição municipal de aliados
e também garantir Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM) no comando do
Congresso. Deu certo. Na semana passada, também publicamos com exclusividade a
planilha do Planalto para a liberação de R$ 10 milhões a cada deputado federal
aliado, como parte desse mesmo esquema.
7. Quando questionados sobre
essas verbas extras, Planalto e ministérios, geralmente, alegam ser impossível
ter controle da liberação desses recursos. No ano
passado, por exemplo, a assessoria do ministro Luiz Eduardo Ramos, então na
Secretaria de Governo, disse a O Antagonista que
o único balanço feito por eles era o “das
emendas impositivas”, ou seja, as individuais e de bancadas — também vale
relembrar aqui.
8. Em fevereiro deste ano, O Antagonista enviou para
quase 60 senadores e para mais de uma centena de deputados perguntas sobre se
eles tinham recebido verba extra e pedindo o detalhamento da aplicação desses
recursos. A maioria não respondeu ou fez cara de paisagem: relembre aqui. Lideranças, em reservado, dizem que esse
esquema das emendas invisíveis, ou verba extra, é o que garante a
sustentabilidade do governo Bolsonaro e afasta qualquer possibilidade de
impeachment.
9. O senador Major
Olimpio (PSL), que morreu vítima de Covid, revelou em 2020
(e este site
também publicou com exclusividade) que emissários do Palácio do
Planalto procuraram senadores para oferecer a liberação de R$ 30 milhões em emendas extras
e formar uma base de apoio no Senado. Uma das intenções era
garantir o apoio à reeleição inconstitucional de Davi Alcolumbre como
presidente do Senado, o que não se concretizou, mas o apoio teria sido
transferido a Rodrigo Pacheco (DEM), o candidato de Bolsonaro. Ninguém nunca negou essa história. Pelo
contrário, senadores confirmaram o recebimento das emendas extras, mas
ponderaram que não prometeram nada em troca.
10. Um especialista em orçamento, com mais de 20 anos de experiência na Esplanada e hoje funcionário de um gabinete no Senado — e, por isso, pediu reserva –, já resumiu assim a O Antagonista, de maneira bem didática, o esquema agora chamado de Bolsolão: “Verba extra é ‘fio do bigode’. Isso não é de agora, sempre existiu. Mas há, sim, um volume muito maior sendo liberado neste governo. Emendas individuais e de bancadas têm marcadores no orçamento: você consegue rastrear no momento do pedido e da liberação dos recursos. Verba extra é diferente, porque ela não está prevista em lei alguma. O parlamentar chega para um ministro e diz: ‘Olha, minhas emendas acabaram e eu preciso de mais’. Pode ou não ter uma contrapartida. Quando o ministério não tem mais orçamento disponível, pode-se abrir esse espaço por meio de créditos suplementares, aprovados pelo Congresso. É claro que o assessor do ministro tem essa tabela de Excel, com tudo isso detalhado. Mas é carta na manga, essas informações não são encontradas em nenhum sistema corporativo”.
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