A última vez em que um presidente mobilizou as massas
para emparedar outro poder da República foi numa sexta-feira 13, em março de
1964. Com a realização do Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, o
então presidente da República João Goulart tentou contornar a correlação de
forças, que lhe era desfavorável no Congresso Nacional, por meio da pressão das
ruas para tentar levar adiante seu programa de reformas de base.
Em meio de uma multidão de 150 mil pessoas – um mar de
gente para um país de pouco mais de 70 milhões de habitantes – Jango deixou-se
embriagar pelo sucesso, confiante ainda em seu “dispositivo militar”. O ato –
chamado pejorativamente por Carlos Lacerda de “Comício das Lavadeiras porque só
tinha tanques e trouxas” -, foi a senha para que seus adversários vissem na sua
realização a intenção de João Goulart de promover uma ruptura institucional com
fins continuístas.
Jair Bolsonaro adota estratégia semelhante para o 7 de
setembro, quando pretende dar uma demonstração de força para encurralar o
Congresso Nacional e o STF. Suas duas bandeiras são o voto impresso e o
impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Essas são as justificativas para
os atos nos quais o presidente se fará presente em São Paulo e Brasília. O
verdadeiro objetivo é transformar a data numa conclamação para uma ruptura
institucional, algo que vem anunciando já há um bom tempo. Como ele disse
recentemente: “será o último recado”.
Hoje as condições para um golpe, de qualquer natureza,
são absolutamente inexistentes, pois o quadro é bastante diferente de 1964. Não
vivemos tempos de guerra-fria, não há apoio de empresários e nem a mobilização
de amplos setores da classe média, como houve em 1964. As próprias Forças
Armadas emitem sinais de que não embarcarão em uma aventura. Ademais, a
inflação, o desarranjo fiscal, o aumento da taxa de juros, o desemprego, a
morte de 570 mil pessoas por covid, decorrem de erros de seu governo.
Bolsonaro está profundamente isolado, mas este é o
calibre do perigo. Governantes de índole totalitária quando acuados viram
homem-bomba. O 7 de setembro pode se transformar em uma grande ameaça para a
democracia, tal o grau de tumulto que pode gerar. Se não conta com as Forças
Armadas para um golpe, conta com um “dispositivo” baseado em policiais militares
e grupos paramilitares que estão sendo convocados para o ato e podem ir
armados.
O caso do coronel Aleksander Lacerda, corretamente
afastado pelo governador João Doria do Comando de Policiamento do Interior-7 da
Polícia Militar, é o mais visível do envolvimento de bolsões de policiais na
convocação. Tais bolsões não representam as polícias militares, nem o coronel
representa a valorosa PM paulista, mas tem poder de criar confusão e
transformar o 7 de setembro naquilo que o ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann,
chamou de “pior dos cenários”.
Em julho, quando ainda não se falava dos riscos da data,
Jungmann vislumbrou a seguinte hipótese: a partir de policiais militares ou de
bolsonaristas armados, cria-se em algum estado um clima de caos e de violência
não debelado pela PM. O governador então pede ao presidente da República uma
Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que no ordenamento jurídico do Brasil é uma
operação prevista na Constituição Federal realizada exclusivamente por ordem do
presidente e na qual autoriza o uso das Forças Armadas. O pedido não é atendido
por Bolsonaro e o governador recorre então ao STF que atende ao pleito, por ser
constitucional. Cria-se, assim, o impasse entre as instituições.
Não quer dizer que o pior dos cenários vai acontecer, mas
os governadores acenderam o sinal amarelo para que suas Polícias Militares não
saiam do controle e para evitar a ilegal participação do pessoal da ativa nos
atos. Não se pode ter ilusão de que Bolsonaro recuará, mas isto
não tira o mérito da união dos 25 governadores reunidos em Brasília em torno da
necessidade do diálogo para debelar o confronto que se avizinha. Se não atender
ao apelo, o que provavelmente acontecerá, o presidente vai aprofundar seu
isolamento.
De volta ao 13 de março de 1964: o comício da Central do
Brasil foi o ponto de inflexão nas próprias Forças Armadas que, até aquele
momento, estavam atentas ao princípio da legalidade. A presença do então
ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, no palanque de Jango fez soar
as sirenes e acender o sinal vermelho. Poucos dias depois veio a resposta dura.
A primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi mais massiva e contou
com 500 mil participantes. Ela ocorreu em 19 de março de 1964 em decorrência ao
que foi considerado, por militares e setores conservadores predominantes na
sociedade brasileira, uma ameaça representada pelas ações dos grupos radicais e
pelo comício de Goulart. Dezoito dias depois o presidente foi deposto.
Estrategicamente, o ato da Central foi um grande erro de João Goulart.
Jair Bolsonaro pode estar cometendo o seu grande erro de
cálculo, conforme sejam os acontecimentos de 7 de setembro. A participação de
policiais militares da ativa carrega o risco da contaminação das Forças
Armadas. Se PM pode, por que oficial do Exército não pode? Valores caros como a
hierarquia e a disciplina estão sendo postos em xeque, desde a não punição do
General Eduardo Pazuello.
Ao ser o promotor da anarquia e baderna o presidente Jair
Bolsonaro pode estar criando um fosso imenso com as instituições militares. E
se o 7 de setembro transbordar em violência e caos, contribuirá para que se
forme no país uma amplíssima mobilização nacional em torno do seu impeachment,
a ponto de Arthur Lira acenar com a possibilidade. Daí será um pulo para que o
Palácio do Jaburu e a figura do vice-presidente, Hamilton Mourão, passem a ser
o centro das atenções.
Hubert Alquéres é membro da
Academia Paulista de Educação.
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