É sabido que a lei de improbidade administrativa 8.429/92
passou por uma vasta reforma em outubro de 2021, através da Lei n. 14.230.
Ministrando aula sobre o tema procurei informar que a lei
nova modificadora, por tratar de tema que diz respeito a norma que tem como
consequência sanção ou pena, deve ser aplicada de forma retroativa nos
processos ajuizados antes de sua vigência, naquilo em que beneficiar alguém que
tenha sido processado por improbidade.
Fiz vê que o princípio da retroatividade da lei sancionatória
posterior mais benéfica é secular. Também que fiz questão de afirmar que os
efeitos advindos do julgado dessa espécie de demanda, contém um caráter
sancionatório e que por isso deve se subordinar aos princípios do direito
administrativo sancionatório. E que tudo isso está no texto da lei.
Demonstrei que em perfeita harmonia com os dispositivos
legais a jurisprudência de nossos Tribunais superiores tem se pacificado no
sentido de emprestar um efeito sancionatório a ação de improbidade e por isso a
mesma está sujeita à aplicação retroativa quando houver lei nova mais benéfica.
Mesmo assim, há muitos julgadores que resistem a acolher
o que está consolidado no tempo, como o princípio da retroatividade, no texto
da lei e na jurisprudência consolidada sobre a matéria.
A curiosidade aguçada veio logo através da seguinte
indagação: “o que leva um juiz a decidir em contrariedade ao direito,
professor”?
Essa era uma das questões mais perturbadoras na minha
época de estudante. E sempre se buscava explicação de algum professor, como
forma de satisfazer a curiosidade.
As explicações vinham sempre com um dado indicado como
técnico e outros argumentos valorativos. O primeiro com a afirmativa de que de
acordo com a ordem jurídica cada juiz tinha independência para julgar cada caso
de acordo com sua convicção. Os outros eram explicados apontando-se questões de
formação cultural de cada juiz, fatores psicológicos, grau de conhecimento
específico sobre a matéria, fatores sociais e por aí afora.
Naquela época o ensino do direito era totalmente voltado
para o modelo chamado de civil law,
calcado na ideia de lei, em contraposição ao common
law, baseado em precedentes.
A lei não só era importante, como se dizia que o
intérprete era seu escravo. Hoje, não é mais a lei, mas sim o direito e a ordem
jurídica que goza do prestígio de sua aplicação. A visão moderna da teoria do
direito bem delineada por Bobbio, de forma acertada, atual e correta, levou a
essa mudança. Lei e direito são conceitos totalmente diferentes. Basta vê a linguagem
do novo Código de Processo Civil, para se constatar essa distinção.
Depois, a massificação das demandas judiciais obrigou a
se criar novos modelos de processamento das causas e a forma de interpretar e
aplicar o direito. Institutos como os recursos repetitivos, súmulas e julgados
vinculantes, precedentes, unidade, estabilidade, integridade e coerência como
prevê o art. 926 do CPC, são inovações que precisam ser levadas em
consideração, não apenas para fins de narrativa discursiva para sair se proclamando
em palestras e seminários, mas acima de tudo torná-lo eficaz e efetivo.
Não sei se os novos meios com a intensidade e a
velocidade da comunicação hoje produz o que se vê cotidianamente que é a
proliferação de casos em que se abandona totalmente a aplicação do direito e
cria-se o seu próprio direito. A reprodução em série de julgados que foge
totalmente a análise do direito vigente, causa perplexidade, quer pelo que se
tem notícia de todas espécies de mídia, quer mais ainda, pelos comentários de
profissionais da área, especialmente os advogados no cotidiano de suas
atividades.
Vale frisar, para maior surpresa, na maioria das vezes,
que esse fenômeno ocorre sem se levar em consideração a invalidade ou as
antinomias, que são as únicas formas de se afastar a aplicação de uma regra
jurídica, mas sim pelo total e absoluto silêncio dessa análise e muitas das
vezes de forma velada afirmando que a norma, a seu juízo é injusta ou
incompatível com sua convicção. E vale a pergunta: “isso pode Arnaldo”. E
Arnaldo logicamente vai responder, “a regra é clara”, não se pode julgar fora
da ordem jurídica. E completo que hoje é muito mais fácil, o julgador se valer
da ordem jurídica e não só da lei. Ou ficou mais difícil?
Francisco Barros Dias
Advogado e Professor da UFRN
Francisco Barros Dias
Advogado e Professor da UFRN
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