Diante de uma eleição
presidencial polarizada entre candidatos com grande rejeição,
especialistas ouvidos pela CNN apontam
que as urnas podem revelar um voto que, em público, é “silenciado”: o voto
envergonhado.
O fenômeno ocorre quando eleitores optam por esconder
suas preferências durante a campanha com receio de uma suposta reação negativa
das pessoas, explicam especialistas.
O cientista político e professor da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) Cláudio Couto afirma que essas pessoas tendem a silenciar em
público. No entanto, demonstram sua preferência privadamente nas urnas.
“Eu silencio quando tenho que falar com os outros, me
posicionar dentro do grupo, assumir uma postura pública, mas não
necessariamente vou ficar quieto quando estiver ali só comigo mesmo e podendo
expressar a minha real crença”, comenta.
Por isso, institutos de pesquisa tentam mensurar se o
voto envergonhado pode ser responsável por uma subnotificação nas intenções de
voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e no presidente Jair
Bolsonaro (PL) em pesquisas eleitorais.
Em entrevista à CNN no final de agosto, o
cientista político e presidente do conselho científico do Ipespe, Antonio
Lavareda, mencionou que pode existir uma subnotificação do voto em Bolsonaro em
segmentos de menor renda e menor escolaridade.
A hipótese é baseada no fato de que o atual presidente
tende a ter melhores resultados nas pesquisas telefônicas, quando, segundo ele,
não há o constrangimento de declarar a sua real intenção de voto como existe na
forma presencial.
A Quaest, no entanto, mensurou o voto envergonhado
através de pesquisas durante os meses de abril e setembro, a partir de uma
metodologia similar à usada para medir os níveis de racismo nos Estados Unidos
– pesquisadores comparam o percentual de pessoas que se identificam como racistas
com o percentual de pessoas que dizem que os outros são racistas.
Os resultados da Quaest indicam que os eleitores de Lula
são os que mais deixam de opinar sobre a sua preferência, sobretudo por medo.
Espiral do silêncio
Ao justificarem as possíveis subnotificações de votos em
Lula e Bolsonaro, os pesquisadores citam a teoria da espiral do silêncio,
elaborada pela norte-americana Elisabeth Noelle-Neumann na década de 1960.
A espiral do silêncio ocorre, segundo Lavareda, quando
uma pessoa discorda de uma opinião amplamente majoritária do seu grupo e, por
isso, opta por ocultar suas opiniões para evitar um mal-estar em seu grupo
social.
“Tem de fato a espiral do silêncio, que é essa ideia de
que, se eu estou em um contexto em que o meu entorno todo tem uma posição e a
minha posição é divergente, eu tendo a ficar quieto sobre aquilo, tendo a não
me manifestar. E, claro, em uma situação de voto secreto na urna, pode acabar
produzindo um não silenciamento”, explica Cláudio Couto.
O cientista político acredita que há votos envergonhados
dos dois lados, mas destaca que, do lado lulista, a violência política é um
fator determinante para que os eleitores escondam suas preferências. Além
disso, reforça a relevância dos contextos nos quais as pessoas estão inseridas.
“É possível que tenham mais votos envergonhados no
Bolsonaro no Nordeste e mais votos envergonhados no Lula no Sul do país,
eventualmente em setores do Sudeste, Centro-Oeste onde a gente sabe que o
Bolsonaro é mais forte”, diz o professor.
Rejeição e estigma reforçam silenciamento
De acordo com a cientista política e professora Nara
Pavão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o voto envergonhado tem
como base os estigmas carregados por Lula e Bolsonaro, que fazem ambos terem
grande rejeição.
De acordo com ela, o candidato do PT ainda tem uma imagem
marcada pelos casos de corrupção dos governos petistas e por ter sido alvo da
Lava Jato. Em relação a Bolsonaro, pesam a avaliação negativa de seu governo e
as suas falas “controversas”.
Pesquisa Genial/Quaest publicada
na quarta-feira (21) demonstrou que o atual chefe do Executivo é rejeitado por
54% do eleitorado, enquanto Lula tem 46% de rejeição.
“Esses dois tipos diferentes de estigmas que os
candidatos têm é que servem de base para a questão do voto envergonhado. Então
sim, a gente tem bases muito fortes para imaginar que exista esse fenômeno do
voto envergonhado nessas eleições, muito mais do que nas de 2018, quando os
candidatos eram desconhecidos”, diz Pavão.
Deu em CNN
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