O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mudou de
opinião e se desfez de promessas de campanha no primeiro mês de governo.
O recuo sobre não concorrer à reeleição em 2026, a
mudança de posição em relação ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a
decretação de sigilo sobre informações públicas são alguns exemplos da
diferença entre o petista enquanto candidato e no Palácio do Planalto.
A promessa de que seria um governo de conciliação
nacional ficou em parte restrita à eleição. Neste ano, Lula reforçou o discurso
de polarização política e disse que as depredações às sedes dos três Poderes
foram a "revolta dos ricos que perderam a eleição".
Apesar do slogan do governo de união e reconstrução, e
das declarações do presidente e seus aliados pela volta do diálogo com os que
pensam diferente, Lula não tem poupado críticas o seu antecessor, Jair
Bolsonaro (PL).
O episódio de 8 de janeiro, quando apoiadores golpistas
de Bolsonaro depredaram as sedes dos três Poderes, fomentou um tom mais crítico
de Lula em discursos. Se por um lado colocou um ministro moderado à frente da
Defesa, José Múcio, por outro ele declarou que o Exército deixou de ser o de
Duque de Caxias e passou a ser o de Bolsonaro.
Desde 2021, quando recuperou seus direitos políticos, o
atual mandatário procurou se projetar como liderança de uma coalizão
democrática para derrotar o seu adversário.
O presidente recebeu apoio de economistas, intelectuais e
políticos de diferentes matizes ideológicos, sob o argumento de que lideraria
um governo de frente ampla, com espaço para diferentes pensamentos políticos.
Uma vez eleito, indicou antigos rivais para a Esplanada.
Mas concentrou poder, o grosso do Orçamento e as principais vitrines do governo
nas mãos de petistas.
Na campanha, congregou aliados e até adversários
históricos com a promessa de que não buscaria um novo mandato em 2026. Logo nas
primeiras semanas do ano, o discurso mudou.
A alteração na retórica sobre reeleição foi primeiro
levantada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, no segundo dia de mandato. Em
entrevista à TV Cultura, Rui disse: "Se ele, Lula, continuar como ele
próprio diz, com energia e o tesão de 20 anos, quem sabe ele pode fazer um novo
mandato presidencial".
A declaração gerou desgaste, uma vez que na Esplanada há
ao menos outros três presidenciáveis: Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet
(Planejamento) e o vice-presidente, Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior).
O gesto, contudo, foi reforçado pelo próprio presidente.
Em entrevista à RedeTV! na semana passada, disse que precisa "aproveitar a
vida" e que agora não pensa em ser candidato. No entanto, fez uma
ressalva: afirmou que isso pode acontecer se houver "uma situação
delicada" e ele se sentir com a saúde perfeita.
"Se eu puder afirmar para você agora, eu falo 'não
serei candidato em 2026'. Eu vou estar com 81 anos de idade. Eu preciso
aproveitar um pouco a minha vida, porque eu tenho 50 anos de vida política.
Isso é o que eu posso te dizer agora. Agora, se chegar num momento, tiver uma
situação delicada e eu estiver com a saúde... Porque também só posso ser
candidato se eu tiver com saúde perfeita, mas com saúde perfeita, 81 de idade,
energia de 40 e tesão de 30, aí posso ser candidato", afirmou.
Em outra frente, a postura de Lula em busca pela
governabilidade com o Congresso fez com que o mandatário recuasse de críticas a
Arthur Lira, que até 30 de outubro estava no barco de Bolsonaro.
Se na campanha era alvo de críticas do petista, após
eleito Lira tornou-se um aliado de primeira hora. "Foi o esforço político
desta base, dos partidos, que, semana passada, reconduziu presidente da Câmara
com votação histórica", disse recentemente o ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha.
Além dos gestos do governo em direção a ele, o mandatário
encontrou Lira logo depois de sua vitória e o PT fez parte do grande bloco que
o reelegeu.
O ponto de inflexão foi a aprovação da PEC (proposta de
emenda à Constituição) que ampliou o teto de gastos em R$ 145 bilhões em 2023 e
2024 para o pagamento do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família)
e liberou outros R$ 23 bilhões para investimentos fora do limite fiscal em caso
de arrecadação de receitas extraordinárias.
A proposta foi a primeira prova de fogo de Lula e contou
com o apoio de Lira. O movimento selou aliança entre os dois.
No ano passado, Lula chegou a chamar Arthur Lira de
"imperador".
"Se a gente ganhar as eleições e o atual presidente
da Câmara continuar com o poder imperial, ele já está querendo criar o
semipresidencialismo. Ele já quer tirar o poder do presidente para que o poder
fique na Câmara dos Deputados e ele aja como se fosse o imperador do Japão",
afirmou Lula em 3 de maio de 2022.
Neste início de ano, o governo Lula 3 também se valeu de
um expediente amplamente utilizado por seu antecessor: o sigilo sobre
determinadas informações oficiais. O Itamaraty, inicialmente, pôs sob sigilo a
lista de convidados para uma recepção após a posse do mandatário. Depois,
diante da repercussão, recuou, e os nomes foram publicados.
O atual governo também impôs sigilo sobre a íntegra das
imagens dos atos de vandalismo registradas pelo sistema de câmeras do Palácio
do Planalto em 8 de janeiro, alegando riscos para a segurança das instalações
presidenciais.
O acesso aos sigilos impostos pela gestão Bolsonaro é uma
das principais bandeiras do novo mandatário. Lula determinou, em pacote
assinado no primeiro dia de governo, que a CGU (Controladoria-Geral da União)
reavaliasse em 30 dias as determinações.
O ministério anunciou que revisou 234 sigilos a
informações públicas impostos durante o governo anterior e criou novos
critérios expandindo o acesso a dados públicos.
Entre os casos, estão as entradas dos filhos do
ex-presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto e o processo disciplinar que
inocentou o deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) por participar de um ato
político com o então mandatário quando ainda era general da ativa. Já o caso do
cartão de vacinação de Bolsonaro não tem ainda uma decisão tomada.
Veja as promessas desfeitas e mudanças de posicionamento de Lula.
- Reeleição - Apesar de ter prometido não buscar um novo mandato em 2026, falas do presidente e de seus aliados criam incertezas sobre o futuro político do atual mandatário, o que gerou desconfortos com presidenciáveis na Esplanada dos Ministérios.
- Conciliação - Embora Lula tenha prometido um governo de diálogo durante a campanha eleitoral, suas próprias declarações sobre o Exército, Bolsonaro e os ataques golpistas tornaram-se mais desconfiadas, reforçando a polarização política.
- Arthur Lira - Tratado como rival pelo petista, o presidente da Câmara dos Deputados já chegou a ser chamado de "imperador" por Lula, e agora é um dos principais aliados do governo, tendo protagonismo na aprovação da PEC da Transição.
- Sigilo - Mesmo com críticas aos sigilos impostos no governo Bolsonaro, o governo petista se valeu do instrumento e tornou classificados a íntegra das imagens dos atos de vandalismo registradas no Planalto e a lista de convidados para a recepção da posse no Itamaraty, medida posteriormente revista.
Folha de São Paulo
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