Quase a metade dos 59 deputados do União Brasil assinou o
requerimento que pede a abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI) para investigar os ataques golpistas de 8 de janeiro. Somente na bancada
do partido foram 28 signatários favoráveis à criação de uma CPMI que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quer, sob o argumento de que
atrapalhará votações no Congresso. O União Brasil é a terceira maior sigla da
Câmara e controla três ministérios, mas, mesmo assim, diz ter posição de
“independência” em relação ao governo.
O número de assinaturas apresentadas para a instalação do
colegiado não só pelo partido como por outros aliados é um sintoma de que o
Palácio do Planalto terá dificuldade em manter o apoio de legendas de centro,
caso não negocie no varejo a cada votação no Congresso. Outros parlamentares de
partidos que integram a base de sustentação do governo Lula também se
posicionaram a favor da abertura de uma CPI mista, formada por deputados e
senadores. Na lista estão o MDB e o PSD, com três ministérios cada.
De autoria do deputado André Fernandes (PL-CE), apoiador
do ex-presidente Jair Bolsonaro, o pedido de abertura da CPMI foi protocolado
na noite de segunda-feira, 27, no Congresso. A Procuradoria-Geral da República
pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que abra inquérito para apurar a
participação do próprio Fernandes na incitação dos atos golpistas de 8 de
janeiro. Se instalada, a CPMI terá controle da oposição e representará uma
derrota para o Planalto.
Fernandes conseguiu reunir 189 assinaturas na Câmara e 33
no Senado, número que ultrapassa o mínimo exigido de 171 deputados e 27
senadores. Alguns dos signatários endossam a tese de bolsonaristas nas redes
sociais de que a esquerda pôs “infiltrados” nos atos para manchar a imagem dos
apoiadores do ex-presidente. Alegam, ainda, que o governo tinha conhecimento
prévio das manifestações, mas preferiu se omitir, sugerindo uma ação
orquestrada para prejudicar Bolsonaro e seus seguidores.
O posicionamento do União Brasil foi exposto em reunião
na Câmara, na tarde desta terça-feira, 28, e provocou divergências. Uma ala
observou que a CPMI não passa de “diversionismo” para ofuscar a discussão de
temas prioritários, como a reforma tributária. Outro grupo, porém, disse ser
preciso apurar a possível responsabilidade do governo durante a invasão do
Planalto, do Congresso e do STF.
“O que se quer é que se apure o que aconteceu. Tem muita
gente dizendo que há pessoas presas injustamente”, afirmou o deputado Carlos
Henrique Gaguim (União-TO).
Além do União Brasil, 12 congressistas do MDB e 8 do PSD
assinaram o requerimento de Fernandes. Diretrizes dos dois partidos permitiram
que cada parlamentar expresse suas posições com “independência”.
Quarto-secretário da Câmara, Lucio Mosquini (MDB-RO)
postou uma foto ao lado do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos principais
bolsonaristas da Casa, e disse que ele é “inspiração” para muitos jovens. “É
preciso investigar com equilíbrio erros de todos os lados”, afirmou Mosquini,
que assinou o pedido para abertura da CPMI.
“Estão querendo enrolar. Tudo isso é política”, protestou
Soraya. “Será que eles (os governistas) preferem uma CPMI enviesada, controlada
por um deputado investigado, que já tem respostas prontas? Que vai ter CPI, não
tenham dúvida. O governo está entre a cruz e a espada. Aqui no Senado, a gente
tem uma postura mais imparcial”, emendou ela.
Decano do Supremo, o ministro Gilmar Mendes atendeu a
mandado de segurança impetrado por Soraya e deu prazo de dez dias para o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), explicar por que ainda não leu
o ato de criação da CPI na Casa. Soraya repudiou avaliações de que terá de
coletar novos apoios ao requerimento porque seu pedido não tem mais validade.
“Eu não sou palhaça”, reagiu ela. “O regimento interno não diz isso em caso de
CPI. É inaceitável.”
Senadores do PT, como Jaques Wagner (BA), líder do
governo, Humberto Costa (PE) e Paulo Paim (RS) chegaram a assinar o
requerimento de Soraya para investigar a invasão dos prédios públicos na Praça
dos Três Poderes, em 8 de janeiro. Depois disso, no entanto, Lula baixou ordem
unida para que o PT fosse contra a CPI, alegando que isso só vai tumultuar o
ambiente para votações de interesse do Planalto no Congresso, como o novo
arcabouço fiscal e a reforma tributária.
O presidente disse, ainda, que todos sabem como começa
uma CPI, mas nunca como termina. Diante desse cenário, um colegiado controlado
pela oposição acaba virando, no seu diagnóstico, uma “CPI do Fim do Mundo”.
Mesmo assim, convencidos de que a CPI do Senado não será
instalada, aliados do governo decidiram manter as assinaturas no pedido de
abertura da comissão. Concluíram que retirar os nomes representaria um desgaste
desnecessário. E, se o Supremo decidir mandar Pacheco instalar a CPI, ao menos
os aliados estarão lá para impedir que o colegiado seja tomado por adversários
de Lula.
Entre os deputados que assinaram o requerimento de CPMI
protocolado por Fernandes estão Bia Kicis (PL-DF), que disse haver no Brasil
mais presos políticos do que “na Venezuela, na Bolívia e no tempo do regime
militar”, e seu colega Carlos Jordy (PL-RJ). Conhecido apoiador de Bolsonaro, a
exemplo de Kicis, Jordy chamou as prisões de “lulags”, neologismo que funde o
nome de Lula com as “gulags”, campos de trabalho forçado dos tempos da União
Soviética.
“A preocupação do governo é zero porque as investigações
estão correndo e as responsabilidades, apuradas”, resumiu o líder do governo no
Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que também assinou o requerimento de
Soraya como estratégia para impedir o avanço da CPMI proposta por adversários.
Randolfe disse duvidar que a CPMI sugerida por Fernandes
saia do papel. “É uma CPMI feita pela oposição em uma ação de sabotagem para
barrar as investigações. Tanto é assim que, lá dos Estados Unidos, o principal
mandante desses atos disse que tinha 900 inocentes presos”, criticou o senador,
numa referência a Bolsonaro.
Fonte: Estadão
0 comentários:
Postar um comentário