A crítica do
escritor Paulo Coelho foi a mais ruidosa até aqui, mas outros eleitores do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também vêm expressando insatisfação
com o governo, em um movimento negativo que o Planalto e militantes tentam
combater com pedidos de paciência.
Ao chamar o novo
mandato de patético, Coelho deu vazão a queixas de parcelas dos que votaram no
petista, inclusive os que só queriam derrotar Jair Bolsonaro (PL). É o caso de
apoiadores ocasionais como o ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o
ex-presidenciável do Novo João Amoêdo.
Aliados como o
ex-governador Roberto Requião (PT-PR) e o senador Cid Gomes (PDT-CE) também
foram a público atacar aspectos como a fragilidade do programa de governo e a
guerra de Lula contra o Banco Central por causa da taxa de juros.
“Não devia ter
me empenhado na campanha”, disse Coelho no desabafo que fez em uma rede social
no fim de março. Ele afirmou que seu voto não valeu a pena e demonstrou
arrependimento pelas décadas de apoio ao petista, que lhe custaram até o
afastamento de leitores, conforme relatou.
O autor do livro
“O Alquimista” se mostrou especialmente irritado com o bate-boca de
Lula com o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), iniciado
após o petista lançar a ilação de que a descoberta de um plano de
atentado contra o ex-juiz da Operação Lava Jato seria “mais uma
armação” de seu algoz.
“Estou achando o
governo muito ruim”, afirma à Folha Amoêdo, que surpreendeu
muita gente ao votar no petista contra “um mal maior”, Bolsonaro. O
ex-banqueiro vê o presidente “preso a erros do passado, com uma equipe
descoordenada e sem gestos para colocar o Brasil no rumo do crescimento”.
Amoêdo tem se
pronunciado também contra a regra fiscal e a permanência de ministros
como Juscelino Filho (Comunicações), exposto em uma série de
denúncias. Apesar disso, diz não se arrepender do voto. “Estou seguro porque,
sabendo de tudo o que veio à tona, vejo que Bolsonaro precisava mesmo sair.
Como discordo muito do PT, nunca tive grandes expectativas, mas nutria algumas
esperanças.”
Segundo pesquisa
Datafolha, o governo é considerado ótimo ou bom por 38% dos
brasileiros, regular por 30% e ruim ou péssimo por 29% (margem de erro é de
dois pontos percentuais para mais ou para menos).
Entre os que
declaram ter votado em Lula, os percentuais são de, respectivamente, 71%, 24% e
3%.
Lula fez até
aqui pelo país menos do que o esperado na visão de 1 em cada 4 pessoas que
afirmam ter votado nele (25%). Ele fez o que era previsto na opinião de 37% e
superou a expectativa para 34%.
O resultado do
Datafolha foi encarado com otimismo por integrantes e aliados do governo, que
lembram o fato de o país ter saído dividido da eleição. O petista venceu
com a margem de votos mais apertada desde a redemocratização, apenas 1,8
ponto percentual à frente do adversário.
A estratégia
governista de culpar os estragos herdados da gestão Bolsonaro pela demora em
apresentar resultados em várias áreas, principalmente na economia, é replicada
por defensores de Lula.
O
ex-senador Aloysio Nunes Ferreira, um dos primeiros integrantes de peso do
PSDB a embarcarem na candidatura do petista, faz reparos pontuais —a insinuação
sobre Moro foi “um mau passo, embora não comprometa o governo como um todo”—,
mas diz confiar no sucesso da gestão.
“O Lula vai
fazer um bom governo, apesar de ter enfrentado uma transição tumultuada. Mesmo
com o golpismo do 8 de janeiro, o descaso com os yanomamis e
os estragos das chuvas, para citar alguns exemplos, ele está se saindo
muito bem. Está arrumando a casa”, afirma Aloysio à Folha.
O tucano aprovou
o arcabouço fiscal e considerou o ministro Fernando Haddad (Fazenda)
habilidoso na articulação política do substituto do teto de gastos.
Aloysio, que foi
ministro das Relações Exteriores de Michel Temer (MDB), também
concordou com a decisão do Brasil de não assinar a declaração final
da Cúpula da Democracia, que embutia críticas à Rússia pela invasão
da Ucrânia. “Foi uma posição correta. O fórum para tratar desse tema é a
ONU”, diz.
“O eleitor é
sempre impaciente, quer o resultado. Ao governo cabe agir com calma e tomar
atitudes com solidez”, opina o ex-chanceler.
O problema é que
“o sentimento benévolo em relação ao governo, aquela torcida sincera para que
dê certo, está arrefecendo”, afirma o sociólogo e investidor Zeca Martins,
integrante do Derrubando Muros. O grupo formado por empresários e
profissionais de diferentes áreas buscou uma terceira via em 2022, mas por
fim acabou se aproximando de Lula, que foi a opção de grande parte dos membros.
“Sou parte da
ala que votou nele pela primeira vez para afastar o risco Bolsonaro. O rigor
com o atual governo, mesmo daqueles lulistas convictos, está baixo. Noto ainda
uma complacência em função da tortura que foi conviver com um governo fascista,
mas essa fase está se esgotando.”
Martins diz que
as críticas de Coelho e Tasso encontram eco no grupo, que se ressente do
esvaziamento da ideia de frente ampla e da ausência de programa.
“Além do básico, que é garantir três refeições por dia para todos, não sabemos
qual é o projeto de longo prazo para o Brasil”, afirma.
A empresária e
ativista Rosângela Lyra, que começou a angariar apoios de antipetistas a
Lula meses antes das eleições, discorda. Com trânsito na elite paulistana, ela
diz ver eleitores do presidente maduros para entenderem que o governo mal
começou e ainda “enfrenta ecos ruins do passado recente”.
“Paulo Coelho
foi, no mínimo, infeliz”, diz Rosângela, que preside o Política Viva, um grupo
de discussões sobre os rumos do país com tendência progressista. Para ela, nem
deu tempo de se frustrar, e uma avaliação mais justa só pode ser feita após
seis meses.
“Estão cobrando
desse governo coisas que nunca cobraram de outros. Só de termos um governo com
visão humanista e que está recuperando programas sociais importantes, já é
muito”, afirma.
Lula tem feito
apelos parecidos aos eleitores mais ávidos. “Vamos dar um tempo aí, porque
também as coisas não podem acontecer do dia para a noite”, discursou em evento
no último dia 16, após uma criança na plateia questioná-lo sobre a queda
no preço da picanha prometida durante a campanha.
O tom já tinha
sido usado na mensagem do presidente ao completar o primeiro mês de mandato. “A
nossa vida vai melhorar. É só esperar um pouco, que vocês vão ver as coisas
começarem a acontecer no nosso querido Brasil”, disse, pedindo “um pouco de
paciência”.
Procurada, a
Secom (Secretaria de Comunicação) evitou comentar críticas específicas e
reforçou, em nota, que a atual gestão está completando 100 dias de um mandato
total de quatro anos.
“Ouvimos,
respeitamos, dialogamos e não ofendemos discordâncias pontuais, eventuais ou
mais gerais, porque defendemos a democracia, a livre expressão e o debate
público respeitoso, com liberdade e troca de ideias”, disse.
O QUE
DISSERAM OS DESCONTENTES COM O GOVERNO
“Décadas
apoiando Lula, noto que seu novo mandato está patético. Cair na trampa de
ex-juiz desqualificado, incapacidade de resolver problema do BC, etc. Não devia
ter me empenhado na campanha. Perdi leitores (faz parte) mas não estou vendo
meu voto ter valido a pena”
Paulo
Coelho, escritor, no Twitter, em 26.mar
“Estou muito
surpreso. Eu não esperava que o Lula e sua equipe viessem nessa linha radical
de política econômica. Não é radical só pelo fato de ser de esquerda, que tem
propostas boas, mas pelas ideias ultrapassadas, vencidas e que já foram
testadas. É radical também pelo tom da agressividade. Esse embate com o Banco Central
é inteiramente desnecessário”
Tasso
Jereissati (PSDB-CE), ex-senador, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo,
em 6.mar
“Estou achando o
governo muito ruim. Lula está preso a erros do passado, com uma equipe
descoordenada e sem gestos para colocar o Brasil no rumo do crescimento. Propõe
uma regra fiscal que não ataca o problema das despesas, prega retrocessos em
temas como o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras,
perde tempo com temas menores e continua com postura de candidato, não de
estadista. Ele está queimando o voto de paciência que se deve dar a quem acabou
de assumir”
João
Amoêdo, ex-presidenciável do Novo, em entrevista à Folha, na terça-feira
(4)
“Eu não fui nem
convidado para participar do grupo de transição. Fui ignorado. A minha
experiência poderia ter servido pelo menos para levantar aquele debate. Não fui
nem convidado para a posse, tive que ir em Brasília e garimpar um convite com
influencers. Esqueceram que o Roberto Requião existia. […] E eu faria isso tudo
de novo, fiz ideologicamente. Só não posso dizer que estou contente com o que
está acontecendo. Acho que estamos cometendo um erro, nós devíamos ter um
programa mínimo de governo”
Roberto
Requião (PT-PR), ex-governador, em entrevista ao portal UOL, em 16.mar
“Uma preocupação
que eu tenho é esse conformismo com o status quo, o centrão, a Câmara. O
[Arthur] Lira é só mais um e vai ser mudado. […] O Brasil não vai mudar só
porque tirou o Bolsonaro e botou o Lula. É o centrão, é o mesmo povo, com a
conivência e o entusiasmo do [ministro das Relações Institucionais] Alexandre
Padilha, que é o articulador político do governo”
Cid Gomes
(PDT-CE), senador, em entrevista ao jornal O Globo, em 23.mar
O QUE
DISSERAM OS DEFENSORES DO GOVERNO
“Calma, Paulo.
Assim como você e eu, Lula é humano, tem suas feridas. E nem sempre se pode se
safar das armadilhas e disparos de uma classe dominante predatória, egoísta e
invejosa. Tenha mais paciência, querido. O mandato está no início”
Jean
Wyllys, ex-deputado federal pelo PSOL-RJ, em resposta a Paulo Coelho, no
Twitter, em 26.mar
“Outro que
entrou na falácia da mídia. Menos, Paulo. Se não fosse o Lula, você estaria sob
domínio de Bolsonaro. O governo nem começou…”
José de
Abreu, ator, em resposta a Paulo Coelho, no Twitter, em 26.mar
“Paulo, não são
nem 90 dias. BC é uma situação ingrata. Erros serão cometidos, devemos criticar
e apontar, como também tenho feito, mas não dá pra se arrepender de ter ajudado
a derrotar aquele monstro. Lula ainda vai errar muito, mas não se esqueça que o
outro era Bolsonaro”
Felipe
Neto, influenciador digital, em resposta a Paulo Coelho, no Twitter, em 26.mar
“O Lula vai
fazer um bom governo, apesar de ter enfrentado uma transição tumultuada. Mesmo
com o golpismo do 8 de janeiro, o descaso com os yanomamis e os estragos das
chuvas, para citar alguns exemplos, ele está se saindo muito bem. Está
arrumando a casa. O eleitor é sempre impaciente, quer o resultado. Ao governo
cabe agir com calma e tomar atitudes com solidez”
Aloysio
Nunes Ferreira (PSDB-SP), ex-senador e ex-ministro das Relações Exteriores
(governo Temer), em entrevista à Folha, na segunda-feira (3)
“Paulo Coelho
foi, no mínimo, infeliz. Estão cobrando desse governo coisas que nunca cobraram
de outros. Atribuo essa má vontade ao vício antipetista ou pró-lavajatista que
está impregnado após todos esses anos de viés. Vejo pessoas comuns à minha
volta repetindo falácias, sem embasamento. Só de termos um governo com visão
humanista e que está recuperando programas sociais importantes, já é muito”
Rosângela
Lyra, empresária e presidente do Instituto Política Viva, em entrevista
à Folha, na segunda-feira (3)
Folhapress
0 comentários:
Postar um comentário