Produtores rurais, agricultores e pecuaristas, representantes da carcinicultura e da indústria estão preocupados com a possibilidade do Rio Grande do Norte iniciar a cobrança pela água bruta no Estado. A cobrança alcança desde os poços artesianos até a água de rios. O tema está em discussão e já há uma minuta de decreto por parte do Governo do Estado. Segundo interlocutores, a cobrança pode inviabilizar a atividade rural e as agroindústrias no RN. A minuta que está em discussão, obtida pela TRIBUNA DO NORTE, aponta que a cobrança varia entre R$ 0,01 e R$ 0,45 por m³ de água. O Governo aponta que a cobrança faz parte da regulamentação de uma lei aprovada em 1996.
De acordo com a minuta, o uso da água bruta pela indústria, por exemplo, teria uma cobrança de R$ 0,45/m³ e R$ 0,42/m³ para água mineral e potável, as duas maiores taxas. O setor de Serviços e Comércio teria uma taxa de R$ 0,33/m³. Além disso, um artigo específico aponta para uma “tarifa de contingência”, em que o Estado cobraria percentuais de 10% a 50% em situações de escassez hídrica em cima dos valores já cobrados. O Governo aponta que a minuta está em discussão e os valores não estão necessariamente definidos.
O tema chegou a ser discutido recentemente na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, por iniciativa da deputada Cristiane Dantas (SSD). A parlamentar disse que apresentou um PL na Assembleia Legislativa para vetar que essa taxação da água bruta ocorra por meio de decreto governamental. "A taxação da água bruta inviabiliza o pequeno setor produtivo do Rio Grande do Norte. A cobrança proposta para a indústria é de R$ 0,45 centavos por m³, uma cobrança que parece pequena, mas poderá resultar em uma conta alta, levando em consideração o consumo de água para a fruticultura irrigada e plantação de cana de açúcar, por exemplo. Além de que, pela minuta do decreto, a taxação vai atingir do pequeno ao maior produtor rural. Eu sou contra a taxação, pois a cobrança também será feita da água de poços que o Estado não fez nenhum tipo de investimento, mas agora quer se apropriar para aumentar a arrecadação”, aponta a deputada.
Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do RN (Faern), José Vieira, a cobrança da água bruta inviabiliza a situação de vários segmentos que necessitam da água. Ele critica, por exemplo, a possibilidade cobrança da água salobra e pela água de poço e aponta que a taxação é prejudicial para o setor.
“O RN tem 95% do seu território semiárido. Gerar oportunidades no interior do Estado é um grande desafio. Produzir no semiárido é algo maior ainda. A Faern tem se posicionado contra a cobrança da água bruta, porque os nossos meios de irrigação são eficientes. Nós produtores somos extremamente eficientes no uso da água, porque é um custo alto para obtê-lo, que é a energia elétrica. A proposta do Governo fala que, no período da chuva do inverno, ninguém usa aquela água, mas pelo decreto, fala que teremos que pagar 25% da outorga usando ou não aquele poço. A gente acha isso uma discrepância grande”, aponta.
Aliado a isso, o presidente da Faern questionou os valores que poderão ser cobrados com a instituição da medida e chama atenção para o desperdício da Companhia de Águas e Esgotos do RN. Aliado a isso, disse não saber de que forma o governo chegou aos números apresentados na minuta em discussão.
“A Caern tem um desperdício de 48%. É um número significativo. O governo tem que fazer o seu dever de casa para depois querer cobrar do setor. A Faern tem dialogado com o Governo, não somos adversários do Governo, pelo contrário, mas estamos preocupados com essa situação”, cita.
Cobrança
Para o presidente da Associação Norte-rio-grandense de Criadores de Camarão (ANCC), Origenes Monte Neto, a taxação da água traz um impacto “terrível” para o setor. Ele cita ainda que no caso de seu segmento, a água utilizada é a salgada e salobra, o que não configuraria como um recurso hídrico. O presidente aponta ainda que estuda ajuizar ação na Justiça caso a taxação se concretize.
“Temos que lutar contra esse exagero de cobrança, de burocracia. O Governo precisa arrecadar para poder prover? Tudo bem. Mas ele arrecada dando emprego e renda, dando liberdade para o empresário produzir e gerar empregos. O que vai fazer o Governo arrecadar ICMS não é taxar a água salgada, e sim liberar o produtor para gerar renda e alimentos saudáveis”, cita.
“A questão de taxar água salobra e água salgada: não existe disputa, não vai acabar água do mar e não tem como justificar cobrança de outorga da água do mar. Água salobra é água do mar que encontra a doce. Água salobra é poço salgado que não serve nem para maribondo beber água, mas serve para camarão. Mas vai ter que pagar! É um decreto que precisa ser mais bem pensado. Não sou contra o controle estatal, tem que ser evitado que uma pessoa beba toda a água e deixe outro com sede, tem que haver disciplina, mas o momento não é esse. E em se tratando de água salobra e salgada não é o momento nem nunca será”, cita.
O presidente da Rede Nacional dos Irrigantes, Luiz Roberto Barcelos (Renai), aponta que é favorável à cobrança da água, mas defende haja preços equilibrados para que o setor produtivo não seja penalizado. Barcelos, que é cofundador da Agrícola Famosa, aponta ainda que os recursos precisam voltar para “o setor que irriga”.
“Acho que deva existir a cobrança da água, porque é um bem público, para se evitar desperdícios, agora não pode ser um valor que inviabilize a produção. Tem que se ter um custo que não afete a lucratividade ou a subsistência do irrigante. Ele precisa pagar a água, suas despesas, e receber uma remuneração justa pelo risco que assume. Pode afetar o setor produtivo dependendo do valor que for cobrar. Se for algo muito alto, afeta sim. Tem que ser um valor que não afete a rentabilidade”, avalia.
Secretário de recursos hídricos defende cobrança
O titular da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), Paulo Lopes Varella Neto, aponta que a regulamentação é necessária e que outros estados já fizeram ou estão discutindo a cobrança da água bruta. O gestor aponta que a instituição da taxa faz parte da regulamentação de uma lei aprovada em 1996.
“A cobrança a ser instituída no RN foi aprovada pela ALRN em 1996. Não estamos discutindo que o governo está querendo instituir cobrança, ela já está instituída. O que estamos querendo fazer agora após discussões com comitês de bacias é como podemos regulamentar essa lei. Não existe decreto pronto a ser publicado, o que existe é uma minuta em discussão”, explica.
O secretário Paulo Varella aponta ainda que há “muita desinformação” sobre o tema e diz ainda que os valores apresentados na minuta não estão consolidados. Em março, a Comissão Temática de Meio Ambiente da FIERN debateu o assunto.
“Temos algumas premissas: que o impacto seja o menor possível; que a pequena agricultura evidentemente está isenta, tem uma série de isenções para quem não pode pagar. Vamos cobrar pouco, são centavos por mil litros d'água”, diz.
Entre os objetivos para a cobrança, estão o reconhecimento da água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água e obter recursos financeiros para o financiamento dos programasde recursos hídricos.
“Não existe minuta fechada. Estamos construindo com a sociedade para termos o menor impacto possível. Evidentemente que quem pode pagar mais vai pagar um pouquinho mais. A carcinicultura, por exemplo, pagaria um centavo pela minuta. E que fique claro: a cobrança foi instituída pela ALRN, existe uma lei, e queremos regulamentar com um impacto pequeno”, cita. “A ideia é que, se isso ficar aí, é que num momento de escassez a gente possa aumentar um pouco o preço dos que podem pagar mais”, acrescenta.
Na audiência pública que debateu o tema na ALRN, no
último dia 10 de maio, o secretário estadual da Agricultura, Pecuária e Pesca,
Guilherme Saldanha, disse que o assunto começou a se tornar público desde
dezembro do ano passado. “Esse tema é muito delicado para o governo estadual,
pois quem recomendou a cobrança foram dois órgãos: primeiro, o Tribunal de
Contas da União, o qual afirmou que só aprovaria a transposição do São
Francisco para quem aplicasse a cobrança de água. E, segundo, da própria ANA
(Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), através de resolução, sob o
mesmo argumento. Então, a cobrança da água é necessária por lei”, ressaltou o
secretário.
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