O inquérito
policial militar aberto para investigar os militares que deveriam ter protegido
o Palácio do Planalto diante dos ataques golpistas de 8 de janeiro livrou
as tropas de culpa e apontou “indícios de responsabilidade” da Secretaria de
Segurança e Coordenação Presidencial, que integra a pasta do GSI (Gabinete
de Segurança Institucional).
A apuração
concluiu que, se houvesse tido planejamento “adequado” no início do governo do
presidente Lula (PT), seria possível ter evitado a invasão do palácio
ou minimizado os estragos.
O relatório
sigiloso, obtido pelo jornal Folha de S. Paulo, foi finalizado em 2 de março e
recebeu uma complementação no dia 14 daquele mês.
A investigação
indica a responsabilidade da secretaria do GSI de forma genérica, sem mencionar
o nome dos responsáveis. A conclusão cita ainda a sigla DSeg, do Departamento
de Segurança Presidencial.
O inquérito
militar afirma que, no âmbito do GSI, “resta evidente” que “o planejamento, o acionamento
e o emprego” de militares “no tocante às ações ligadas à manutenção da
integridade física do Palácio do Planalto e adjacências” cabe à secretaria.
O relatório
destaca que, de acordo com o protocolo que define as ações do GSI e do Comando
Militar do Planalto na defesa do palácio (chamado de Plano de Operações
Escudo), competia ao DSeg “acionar o deslocamento” da tropa de choque do
Exército.
Também era
obrigação da secretaria “buscar informações indispensáveis ao planejamento de
ações preventivas” junto à Abin (Agência Brasileira de Inteligência)
e aos órgãos da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal, o que não
foi feito.
EFETIVO MENOR
A título de
comparação, o inquérito policial militar constatou que o número de militares no
dia 8 de janeiro era menor do que o de 31 de julho do ano passado,
quando Jair Bolsonaro (PL) convocou manifestantes contra o STF.
Na ocasião, a
segurança do Planalto havia sido reforçada por 110 militares —o equivalente a
uma subunidade ou três pelotões. No dia 8 de janeiro, o Comando Militar do
Planalto enviou apenas um pelotão (36 homens) por volta das 12h.
“Desta forma, é
possível concluir que, sendo realizado um planejamento das ações de segurança
adequado, com o acionamento de valor de tropa suficiente, a execução das ações
de segurança por parte das tropas do CMP [Comando Militar do Planalto] teria
melhores condições de êxito”, diz.
“Nesse sentido,
a invasão ao Palácio do Planalto poderia ter sido evitada ou minimizado os
danos patrimoniais sofridos”, completa.
INQUÉRITO NÃO
APONTA INDÍCIOS DE CRIME NA ATUAÇÃO DAS TROPAS
O inquérito
militar afirma que, devido à falta de planejamento, as tropas em campo não
tinham condições de reagir à investida golpista. Por isso, diz que “não foram
encontrados indícios de crime militar ou crime comum na atuação das tropas”.
“Devido a uma
previsão de ‘normalidade’ por parte daquele órgão [Secretaria Presidencial]
—que não se verificou na realidade—, o efetivo solicitado ao CMP e empregado
foi abaixo do necessário diante do grande número de invasores e do
comportamento agressivo dos mesmos.”
“Noutro vértice,
conclui-se que há indícios de responsabilidade da Secretaria de Segurança e
Coordenação Presidencial/Dseg quanto à invasão do Palácio do Planalto,
considerando que houve falha no planejamento e na execução das ações”, aponta o
inquérito militar.
Imagens do
circuito interno de câmeras do Palácio do Planalto durante a invasão
mostraram não só o baixo número de homens no local, mas também falta de
comando. A entrada principal do prédio ficou desguarnecida por cerca de 45
minutos.
O inquérito foi
aberto em 11 de janeiro para averiguar a atuação da tropa. A investigação foi
conduzida pelo coronel Roberto Jullian da Silva Graça, hoje chefe do
Estado-Maior do Comando Militar do Planalto.
DOCUMENTO FOI
ENVIADO AO MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
O inquérito
policial militar é uma investigação pré-processual elaborada pelos próprios
militares para avaliar se há indícios de crime militar e quais os possíveis
responsáveis. Feitosa nem sequer foi ouvido durante a apuração.
O documento foi
enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo
Tribunal Federal). Em fevereiro, ele decidiu que os militares envolvidos no 8
de janeiro serão processados e julgados pelo próprio tribunal.
O ministro
também determinou que a Polícia Federal abrisse um inquérito para
investigar os militares das Forças Armadas e da Polícia Militar do Distrito
Federal. A PF, portanto, pode chegar a conclusão diferente da apontada no
inquérito militar.
EXÉRCITO NÃO
SE MANIFESTA SOBRE INVESTIGAÇÃO
Questionado
pela Folha, o Exército não explicou por que o general Feitosa não foi
ouvido no inquérito. A instituição afirmou que os esclarecimentos sobre o 8 de
janeiro serão prestados “exclusivamente” aos órgãos competentes.
“O Exército não
se manifesta no transcurso de processos de investigação. Cabe destacar que esse
é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro
com as demais instituições da República”, disse.
O QUE DIZ O
GSI
O GSI afirmou em
nota que “desconhece as conclusões da apuração do Inquérito Policial Militar
instaurado no âmbito do Comando Militar do Planalto, ao qual não teve acesso”.
A Folha não
conseguiu contato com o general Feitosa e o coronel Wanderli. A defesa do
general Gonçalves Dias foi procurada, mas não se manifestou.
RESPONSABILIDADES
DA SEGURANÇA PÚBLICA DO DF
O inquérito
policial militar também levanta as falhas da Secretaria de Segurança Pública do
Governo do Distrito Federal —embora a pasta não tenha sido foco da investigação
nem apareça nas conclusões.
O documento
ressalta que o GSI e o Comando Militar não foram chamados para a reunião
organizada pela secretaria em 6 de janeiro, dois dias antes do ataque, nem
“comunicados de suas decisões ou relatórios de inteligência”.
Diante do risco
de invasão das sedes dos três Poderes, o Governo do DF elaborou um protocolo de
ações integradas em que definia o que cada órgão responsável pela segurança da
Esplanada dos Ministérios deveria fazer no dia.
O inquérito
afirma ainda que a PM-DF —de acordo com o próprio protocolo de ações— deveria
ter impedido a chegada dos manifestantes até a praça dos Três Poderes, o que
não ocorreu.
Outro argumento
usado na defesa dos militares é o de que “a única informação” enviada pela
Polícia Militar foi a de que as manifestações teriam “animosidade baixa”, com
“até duas mil pessoas”.
ACAMPAMENTOS
EM FRENTE AO QG DO EXÉRCITO EM BRASÍLIA
O relatório
também minimiza a atuação do Exército no acampamento golpista montado em
frente ao quartel-general, em Brasília.
O inquérito
afirma que a área foi ocupada a partir de 30 de outubro “de forma intensa,
porém pacífica” e que houve “redução gradual no número de manifestantes” a
partir de 15 de novembro “em razão da postura restritiva” do Comando Militar do
Planalto.
O documento
também diz que, diferentemente da “postura restritiva” adotada pelo Comando
Militar do Planalto, “o Governo do Distrito Federal autorizou que os
manifestantes realizassem seu desembarque” no Setor Militar Urbano, onde fica o
quartel.
Folhapress
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