Você deixaria políticos decidirem o que é ou não verdade?
Acredita que adultos dariam esse poder a políticos brasileiros? Eles dão, basta
manipular com medo e moralismo de quinta categoria. É precisamente o que vemos
agora nessa jogada esperta de dizer que fake news é crime.
Flávio Dino é um homem inteligente e versado em direito, é professor e já
foi juiz federal. Sabe muitíssimo bem que fake news não é crime e que mentir
também não é crime. Por ser habilidoso politicamente, sabe que pode dizer isso
e ainda assim ter apoio da imprensa, já que conta com a honrada classe dos
tradutores de político.
Estão dizendo agora que ele não falou que
fake news seja crime, mas estava falando de um caso que pode ser de calúnia,
injúria ou difamação. O bom de não ter espinha dorsal é a facilidade do
contorcionismo. Flavio Dino disse com todas as letras:
“Reitero que fake news é crime, não é ‘piada’ ou instrumento legítimo de luta política. Esse crime é
ainda mais grave quando se refere a uma crise humanitária, pois pode gerar
pânico e aumentar o sofrimento das famílias. A Polícia Federal já tem
conhecimento dos fatos e adotará as providências previstas em lei.”
Por que um político experiente e que
conhece a legislação em profundidade diria isso? Saber eu não sei, só suspeito:
pelo precedente.
É uma fala sob medida para criar três
precedentes bem perigosos para a liberdade de expressão e para a democracia:
1. Crime é aquilo que o ministro da
Justiça disser que é crime. No caso, mentir passa a ser crime.
2. Os políticos são os responsáveis por avaliar
o que é mentira e colocar a Polícia Federal no encalço dos que apontarem
como mentirosos.
3. O ministro da Justiça fala em nome da
Polícia Federal.
Agora se trata de um caso odioso e que
envolve uma ação odiosa e pessoas que já estão na mira do debate público
envolvendo fake news. Todo oportunismo em cima de tragédia é condenável.
Parlamentares e jornalista têm mais responsabilidade que o cidadão comum quando
divulgam algo.
O sentimento que mais movimenta as redes
sociais é o Schadenfreude,
palavra que só existe em alemão. Ela descreve o prazer que sentimos quando
alguém de quem não gostamos se dá mal. Políticos sabem manipular isso muito
bem.
Há um número enorme de pessoas que quase
atingiram o orgasmo ao saber que a Polícia Federal agora vai atrás de seus
desafetos. Pouco importa o motivo. Muitos se empolgaram tanto que marcam Flávio
Dino em cada mentira contada por outros desafetos na rede. Líderes autoritários
não seriam nada sem os tiranetes voluntários.
Se alguém questiona, são prontos na
resposta daquele moralismo de personagem de Nelson Rodrigues. “Então você defende mentiras? Mentiras são
crime e precisam ser coibidas!!!”. Parece uma fala
sob medida para Palhares, o canalha que não respeita nem cunhada.
A tentativa de regrar o mundo por meio do
moralismo de quinta categoria invadiu a política. É coisa de bedel e madre
superiora punir por mentira, não de juiz, muito menos de ministro da Justiça.
Aliás, se o negócio fosse a mentira e não
o precedente, Flávio Dino teria de mandar a PF atrás dele próprio depois de
dizer que fake news é crime. Teria mandado também quando disse que os votos do
STF dos EUA são secretos. E pobre do presidente Lula que anda mentindo aos
quatro ventos sobre Dilma ter sido inocentada na Justiça. A PF
seguramente já foi atrás.
Voltemos ao precedente criado. Imagine uma
denúncia de corrupção. Aliás, imagine qualquer denúncia de qualquer coisa sobre
o governo. Vamos aos 3 passos iniciados aqui:
1. Mentira é crime.
2. O governo diz que a denúncia é mentira,
então ela é mentira, portanto crime.
3. O governo fala pela Polícia Federal e
investiga quem denunciou.
Eu não sei o que é mais perigoso. Talvez seja a sede de poder dos políticos. Talvez seja a normalização do jornalismo suicida, que compactua com isso sem o menor instinto de sobrevivência.
Por: Madeleine Lacsko/O Antagonista.
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