Flávio Dino (foto) deu o bolo novamente na Comissão de
Segurança Pública da Câmara dos Deputados. Nesta terça-feira, 21, o ministro da
Justiça ignorou
pela terceira vez uma convocação do colegiado e repetiu a
justificativa ofensiva de que não vai porque se sente ameaçado pelos integrantes.
Nenhuma autoridade pública considera que prestar contas do
próprio trabalho é a maneira mais agradável de passar o tempo. Entre os
políticos brasileiros, no entanto, parece haver uma alergia generalizada à
transparência e à necessidade de se explicar quando demandados. Cobranças
por prestação de contas são tratadas como ofensa, como oposição política
indevida e quase nunca como uma das práticas constitutivas de uma democracia
saudável.
Estou fazendo um
curso que me obrigou a ler textos sobre o Estado de Direito. Descobri que temos
uma visão estreita desse conceito no debate público brasileiro, onde em geral
ele é traduzido como respeito às leis, que por sua vez devem ser claras e
aplicadas de maneira previsível.
A ideia de que os
poderosos estão obrigados a prestar contas aos cidadãos está no centro das
concepções mais modernas do Estado de Direito. Segundo os autores que se dedicam ao tema,
trata-se de uma atividade estruturada por regras que podem ser explícitas, como
quando o a Câmara convoca um ministro para uma audiência, ou informais, como
quando os cidadãos comuns pressionam para que uma autoridade ofereça
esclarecimentos e providências sobre aquilo que parece indevido ou
suspeito.
A passagem da
mulher de um traficante amazonense, chefe de facção criminosa, por ministérios
de Brasília, é um daqueles episódios que não deveriam causar hesitação. As
visitas foram impróprias e levantam indagações legítimas. Flávio Dino
e o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida (cuja pasta pagou passagens e
hospedagem para a “dama do tráfico”), deveriam considerar natural a necessidade
de explicar-se.
Num mundo no qual
as autoridades levassem um pouco mais a sério o dever de prestar contas, os
dois teriam inclusive tomado iniciativas para investigar os fatos. Em vez
disso, esquivam-se, mostram-se injuriados e endossam campanhas de agressão
contra a imprensa. Não querem arcar com o ônus da posição que
ocupam.
A história se
agravou neste fim de semana, quando um site governista publicou uma reportagem
sobre reclamações endereçadas ao ministério do Trabalho por jornalistas
chefiados por Andreza Matais, a editora do Estadão responsável por trazer à
tona o caso da “dama do tráfico”. Flávio Dino entrou alegremente na
onda, repercutindo as acusações que procuram
desqualificar a jornalista e seu trabalho nas redes
sociais.
O ministro, dessa
maneira, mostrou suas cores. Não apenas abomina o fato de ser cobrado por
respostas diante de um caso bisonho, como ainda vê com bons olhos que uma
repartição do governo – o ministério do Trabalho – tenha sido acionada para
constranger quem ousou incomodar… o governo.
Estado de Direito é
a promessa de que pessoas comuns terão ferramentas para vigiar e cobrar quem
exerce o poder. Gente como o ministro da Justiça, candidatíssimo ao STF, deixou
claro que não gosta da ideia.
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