Uma reportagem publicada ontem no Estadão, de autoria dos
repórteres André Shalders e Tácio Lorran, traz informações de primeira
qualidade sobre um problema cujo debate é quase proibido no Brasil de hoje – as
relações entre integrantes do governo Lula e o crime organizado.
Não vai ser possível dizer desta vez que se trata de
acusação sem provas, ou “desinformação”, ou alguma outra desculpa. Na verdade,
não há nenhuma acusação. A reportagem simplesmente leva ao conhecimento do
público fatos objetivos e acima de discussão: quatro secretários e diretores
que trabalham nas proximidades do ministro da Justiça, Flávio Dino, receberam
no próprio Ministério uma integrante do Comando Vermelho no Amazonas. Não foi
um acaso.
A mulher de um chefe da organização, conhecido como “Tio
Patinhas”, foi recebida duas vezes no Ministério da Justiça este ano, ao longo
de um período de três meses. Também não foi uma conversa com algum funcionário
subalterno. As reuniões foram com assessores do próprio ministro. O criminoso
em questão, enfim, está na cadeia, condenado a 31 anos por crimes diversos – e
sua própria mulher, que foi recebida no Ministério da Justiça, está recorrendo
em liberdade da pena de 10 anos de prisão a que foi condenada.
A reação inicial do Ministério da Justiça, naturalmente,
foi dizer que não houve nada de anormal na história toda. As realidades
práticas, porém, mostram que não há nada normal. Duas visitas seguidas, uma
após a outra? O nome da mulher de “Tio Patinhas” não consta das relações de
visitante ao Ministério. A polícia, incluindo a Polícia Federal – “que eu
comando”, como diz o ministro Dino – sempre soube quem é a visitante.
Ela ocupa posição de destaque na administração financeira
do Comando Vermelho no Amazonas, tem uma “ONG” que recebe dinheiro do tráfico e
anda em Brasília com políticos ligados a partidos de extrema esquerda, como
Psol e PSTU. Como poderia, então, andar sem problema nenhum dentro do
Ministério da Justiça? Se isso tudo fosse um fato único e isolado, seria
possível para o governo tratar o caso com um desses acidentes da vida que podem
acontecer a qualquer um. Mas não se trata de um fato único e isolado. Ao
contrário, as visitas vêm se somar às repetidas acusações de que o atual
governo está envolvido com as organizações criminosas mais conhecidas.
Não ajuda em nada, obviamente, a constatação de que os
curtos-circuitos nessa questão acontecem, em geral, no pior lugar em que
poderiam acontecer: o Ministério da Justiça. Em condições normais, criminosos
que segundo as próprias autoridades são um perigo para a segurança dos
cidadãos, ficariam o mais longe possível do Ministério encarregado de cuidar da
justiça e da segurança pública.
O que acontece, como revela a reportagem do Estadão, é
justamente o contrário – é justo ali que eles se sentem mais à vontade. Pouco
depois de assumir seu cargo, a propósito, o ministro Dino fez uma espantosa
visita ao Complexo da Maré, um dos piores centros de operação do crime
organizado e violento no Rio de Janeiro. Tornou-se inevitável, aí, a impressão
de apoio explícito aos grupos de criminosos que intoxicam cada vez mais a
sociedade brasileira. Se não foi isso, o que teria sido?
O ministro diz que criticar seus contatos com esse meio é
“preconceito contra os pobres”. Os pobres não têm nada a ver com isso, e nem
com as visitas de uma das chefes do tráfico ao Ministério da Justiça. A verdade
é que o ministro Flavio Dino não apenas se destaca, cada vez mais, como maior
desastre do governo na área de sua responsabilidade. Também vai criando, dia
após dia, a imagem do Brasil como um pária na comunidade internacional – que
sempre acompanha, com os dois olhos bem abertos, a promiscuidade, ou a
cumplicidade, entre governos e crime.
J.R.Guzzo - Estadão
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